terça-feira, 30 de dezembro de 2008

14/08/2007
Tuesday, October 03, 2006

Comecei a garatujar no papel. Todos aqueles signos eu conhecia. Eu entendia muito bem o que aquilo queria dizer. Estava tudo muito claro e evidente. Os traços firmes e resolutos. Ali eu denotava todo o meu conhecimento, toda a minha sapiência estentórea. Convencia-me de que aquela era a melhor maneira de encaminhartodo aquele aparatoso conteúdo. As palavras iam saindo enfileiradas, de modo que toda a sintaxe perfilava-se em sua hierárquica composição. Os verbos sotopostos ou emparelhados em forma de sanduíche entre dois substantivos inócuos. O vocativo clamava em desespero na sua solidão. Os objetos diretos e indiretos comportavam-se como dois ajuizados guris. O papel já estava repleto de signos que só eu entendia. Não precisava ninguém entender tudo aquilo. Ao cabo de vinte linhas, resolvi não mais garatujar, quebrei o cálamo em mil pedaços, o papel picotei-o com minha desprezível adaga. Num ato de total desequilíbrio mental, atirei pela janela o meu velho e amigo cálamo, depois joguei aqueles papeizinhos pela janela e fiz uma chuva de confetes. A chuva de confetes misturava-se à chuva fina que caía sobre os pedestres que passavam. Todos começaram a endereçar os seu olhos para mim. Eu, no décimo segundo andar de meu prédio, homiziava-me atrás das estantes. Aí comecei a atirar também os meus livros pela janela. Os opúsculos e enciclopédias espatifavam-se sobre as cabeças dos transeuntes, que irascíveis achincalhavam-me. Esta foi a melhor forma que encontrei. Lá do alto do meu prédio, eu ria. Eu entendia muito bem o que aquilo queria dizer, e os livros iam saindo pela janela todos enfileirados.

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Quem sou eu

Nascido na cidade de São Paulo em 15 de fevereiro de 1960. Formado em Jornalismo (UMC/1983). Professor titular do ensino médio da disciplina de filosofia. Pós-Graduado, em nível de Especialização, em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pelo Instituto de Psicologia (USP /2001). Entre os anos de 1999 a 2005, fez extensão universitária dos instrumentais de grego, latim e alemão, cursando também mestrado (sem concluir) em educação e filosofia. Autor de dois livros na literatura, do Ensaio Paradoxo do Zero (Fundação Biblioteca Nacional/2003) e do conceito filosófico O Princípio da Identidade Negativa. É verbete nos livros O Céu Aberto na Terra, Sobre Caminhantes, A vocação Nacional da UBE: 62 ANOS, Revista de arte e literatura Coyote.