terça-feira, 7 de setembro de 2010

O CIRCO E AS NOSSAS FANTASIAS

Ontem, fui ao circo com a minha esposa, os meus cunhados e os meus sobrinhos. É evidente que temos aquela coisa felliniana em nós -- e compará-lo, o circo atual, à minha fantasia felliniana seria um nonsense. O circo é uma magia. O circo, não obstante a modernidade ou a pós-modernidade, ainda resiste com seus funâmbulos, com seus clowns nem sempre tão engraçados, mas que nos fazem rir, porque sentimos a obrigação de rir num circo ou de um palhaço, mesmo que as pantomimas não justifiquem um riso de gioconda. Percebi alguma mudanças, talvez pela inserção do fator segurança: as cadeiras são de plásticos e perfiladas, portanto não há mais as arquibancadas; o globo da morte fica afastado, talvez uma prestigitação no escopo de evitar uma agucidade de nosso olhar mais atento. A equilibrista equilibra-se de modo estorvado e inseguro --, não há mais leões famintos nem onças ou quaisquer outros animais, muito menos o elefante elefante; a pipoca e o algodão doce estão o olho da cara, uma espécie de mcdonaldização. Mas o lúdico ainda permanece, notadamente para o olhar pueril de meus sobrinhos, ou para o meu olhar tão pueril ainda. A foto com pouca luminosidade e desfocada torna o nosso circo de periferia um cirque de soleil. E nós retornamos como se tivéssemos dado uma volta pela nossa infânica -- e o nosso sonho amplia-se na medida em que nos projetamos além da realidade. E quem de nós que ainda vivemos e sonhamos aquela criança ousaria em dizer o contrário? Quem?

domingo, 5 de setembro de 2010

Sentado num café em Sampa, um dia desses, veio-me a ideia de relatar o meu diário; melho; de relatar os diários de um rapsodo. Não sei, com efeito, qual é a linha tênue entre o real e a literatura; sei que somos atores de uma peça cujo autor se esconde para alguns e se mostra para outros; ou será que encenamos a nossa própria história nesse palco da vida... Relato aqui os meus dias; as minhas confidências e minhas inconfidências. Tenho acordado tarde e dormido tarde. E quando menos espero o dia se foi. Não tenho tido tempo para postar. Ontem estive na Paulista pela manhã e passei pelas lojas da livraria cultura; mas retornei cedo, por conta das chuvas torrenciais que vem caindo em sampa. Andei folheando uns livros do Instituto Moreira Sales com fotos antigas de Sampa. Lá na livraria Cultura folheei também um livro de poesia com alguns poetas brasileiros e confesso que não me empolguei. Tem de Ferreira Gullar a Arnaldo Antunes, passando por Francisco Alvim etc; depois folheei um livro do Nelson Ascher, mas também não me empolguei. Acho o Nelson Ascher um grande tradutor e gosto até do seu modo poético que tem um certo discurso mesoclítico que lhe dá um certo sabor, mas não me parece um poeta na acepção bruta da palavra -- ou melhor, um poeta vocacionado ou destinado. Mas um homo tecnicus oui. E isso não é demérito nenhum, muito pelo contrário. Quando digo poeta, digo daquilo que falou Tristão de Athaíde sobre Manuel Bandeira, que vocês já devem saber. Mas eu mesmo estou longe da poesia. O meu irmão me presenteou com um livro de Fernando Pessoa que ainda não li. Mas eu só escrevo poesia na tristeza ou na raiva ou quando leio poemas, tentando fazer melhor ou pior do que li e isso é para o conto também -- uma espécie de diálogo que elaboro em contrapelo com os outros escritos - que julgo insuficientes para estarem enfeixados em livros, mas que estão não sei porquê -- um tipo de corretivo que nem sempre me é benfazejo também. Ocupei-me nesse início do ano também com o livro da editora 34, que reli e releio sempre, Conversas com Filósofos Brasileiros. É, de fato, um livro interessante, mas com um discurso bastante e muitas vezes abstruso. Sinceramente, não vejo nada de novo no sentido de um filosofar autêntico; e nisso estão de acordo quase todos os entrevistados quando se posicionam quanto a uma filosofia original e brasileira. Sinceramente, eu não tenho condição nenhuma de suportar uma conversa com esses professores nem se me forem dados ao menos uns cinco minutos de palestra com eles -- estou, creio, vários tons abaixo; mas seus discursos ecoam sempre como que elaborados em cima de conceituações fisgadas nos rios de paris, rennes, berlim etc; com uma espécie de falta de criatividade no estrito sentido de uma problematização original como eu, acredito, fiz -- com os meus parcos e outsiders escritos e mananciais com os quais engendrei. E nisso eu acredito que todos esses professores falharam: em não nos deixar não uma filosofia brasileira, pois não acredito em filosofias pátrias, mas sim uma problematização universal que fosse além de Marx, Kant, Hegel, Espinosa etc. Ou seja, fomos retóricos demais, quando, na verdade, poderíamos ser mais minimalistas e muito mais originais e pontuais.

Lecionando em 2009 ensino religioso para o ensino fundamental, eu me deparei com uma situação bastante peculiar: duas alunas bondosas alocaram num trabalho escolar o nome de um aluno que provavelmente não participou do trabalho. Naquele dia, eu tive a grande oportunidade de dizer-lhes que antes de sermos bondosos devemos ser justos -- no que se fizeram compreender sem maiores delongas. E é justamente isso que desejo para todos nós nesse 2010 que principia: Justiça antes da graciosa bondade que nem sempre se faz justa, sobretudo se a pusilânime bondade vier antes da justificada justiça.

Passando certo dia pela alameda B. aventou-me um tipo de poesia; imaginei esse momento, quando o amor escorre no tempo e dizima as ilusões; hoje talvez vejo materializada aquela intuição. ´As primaveras já adentram os pórticos de setembro com as mais lindas flores, mas no alto - sobre o velho prédio gótico, ali, onde as pombas vêem: [nossas dores - calada, há uma mulher que os meus amores desprezou. Hoje, ela não tem mais os típicos sentimentos de uma época inocente nem amores de inverno ou raios eróticos reminiscentes dos idos momentos da vida, quando suas dores também eram as minhas dores... Muito além: seus pensamentos; os meus pensamentos... seu lábio...seu semblante...seu cabelo... seu amor...seu sonho... sua pele e o seu apelo...´

Não tenho escrito muita coisa ultimamente. E isso se deve à minha inapetência em escrever algo plausível. Toda escrita tem um télos: um registro, uma leitura imediata ou mediata, um entendimento do que se escreve. E pelo que me parece eu não escrevo coisas que estão na ordem do dia. Escrever sobre um outro possível modelo atômico, escrever sobre a ideia de tempo explicitada num triângulo retângulo, escrever sobre o princípio da identidade negativa ou sobre a contradição matemática, ou ainda escrever uma crítica fundamentada na lógica sobre o conceito de verdade em Descartes... De fato, seria mesmo como não escrever. Por isso, por ora, o silêncio -- talvez mais eloquente do que quem escreve ou fala. Voltemos às nossas coisas mais comezinhas. Tudo é uma questão de escolha. E nós não podemos escolher os nossos leitores, como convenientemente escolhemos os nossos autores. Só podemos escolher e colher os frutos que estão às nossas alturas. As copas das árvores tocam-se mais juntinhas, junto às grandes tempestades. Quem será o furacão daí a detonar a decisiva fagulha?

Já faz mais de um ano que eu me iniciei nos rudimentos do hebraico bíblico. Posso dizer que eu pouco evoluí. Não consigo ler, nem me aventuro, um texto completo ainda. Já domino um pouco a gramática. Mas eu não tenho pressa. Ontem mesmo estudei mais um pouco. Hoje também. Não obstante o atulhamento de diários do que sou circundado. Tenho 26 diários. Sem falar nos conselhos de classe. Mas é a minha profissão que exige uma certa burocracia. E eu gosto da burocracia, porque trabalhei anos a fio numa seguradora. E eu adoro trabalhar. O trabalho é salutar aos homens no que Voltaire estava certo em suas máximas. Não é raro vermos pessoas adoecerem após a aposentadoria. Eu quero trabalhar a vida inteira. Quero pensar a vida também e nisso a filosofia muito pode contribuir. Sei que as minhas ideias não tem uma caixa de ressonância devida e adequada, não obstante chatear todos aqui com panegíricos de pessoas que entendem do babado. Mas eu vou escrevendo no blog, dialogando com as pessoas. As pessoas me perguntam como penso dessa forma. Nem eu sei. É porque sou muito problematizador. Eu consigo captar as filigranas. É um dom meu. Mas tudo vem de muito estudo. Por isso é importante estudar muito. Eu leio sobre tudo. E é por isso que eu consigo amarrar os conceitos e articulá-los. Não acredito nessa coisa de gênio. E vejam: não estou falando de mim. E nem sou tão metido assim como pareço. Eu sou muito brincalhão, irônico e bem humorado. Mas no blog eu passo esse meu lado gauche que não tenho. Quanto ao grego, venho estudando também. É incrível como domino menos os textos do que a gramática. Mas fazer o que, se esse é o meu vício ou vezo?

Não tenho tido muita vontade de postar ultimamente. Quem escreve, julga importante aquilo que escreve. Eu já julguei tembém importante registrar um poema, um conto, um pensamento crítico filosófico. Mas eu não tenho tido mais vontade de escrever contos, poemas, poesia, filosofia. Ando meio blasé com a escrita. Também não acho importante escrever e muito menos quem escreve. Não que a pessoa não seja importante. Convenhamos: aquela aura de escritor perdeu-se há muito com a nova pós-modernidade. A escrita vale tanto quanto a fala ou como o próprio silêncio.

Não tenho autorização para apresentar os e-mails recebidos sobre os meus estudos. Como esses escritores estão ainda vivos e com muita saúde, graças a Deus, dou a devida oportunidade de denegarem o que escreveram ou disseram. Não quero ser passado por mentiroso. Abro democraticamente esse espaço para que se esclareçam quaisquer dúvidas a respeito. Quanto aos meus estudos filosóficos, só rasgarei os e-mails, que estão guardados a sete chaves, se provarem que digo algo sem sentido. Caso contrário, vão ficar para a próxima geração esquentar a cabeça. Pelo menos não morrerão de tédio nem ficarão sem projetos filosóficos para os próximos cem anos.



Já ouvi falar - ou se não me engano é o meu daímon que vive me perturbando - que eu pareço ser um cara arrogante. Às vezes, até penso que as pessoas têm um pouco de razão. Mas se querem saber: se eu fosse escolher um amigo para a toda vida, eu, sem dúvida, me escolheria. E olha a boca pequena já dizendo: vai ser narciso assim... Não é... É porque me conheço. Sou amigo. Não traio. Mulheres traí muitas. Mas não traio o amigo, o colega de serviço, o professor etc. De maneira que só as mulheres comigo que correm grandes riscos, mas isso para não falar que é algo que se compensa, porque as trairei evidentemente com outras belas mulheres. De modo que se equilibra a Dow Jones. Mas aquilo que as pessoas pensam que é arrogância é na verdade o meu lado exacerbadamente crítico de um mundo que vem se despencando aos poucos e que está entrando num tremendo colapso. As pessoas não percebem que repetem o que abominam. Exemplo:detestam jogos escusos de determinados políticos ou abominam o preconceito e criticam, só que agem da mesma maneira na literatura, poesia, filosofia e por aí vai...então alguém tem que chutar esse balde e eu então empresto a minha destra, porque de canhota sempre fui meio grosso...Outra coisa: não tenho padrinhos midiáticos, portanto a minha fala é quase que inócua, mas mesmo assim tento. Quem, se não for eu, poderá testemunhar que já fui chamado de gênio pelos meus estudos de filosofia, por escritor de renome no Brasil? Quem guardará os e-mails que recebi de intelectual brasileiro dizendo que os meus estudos são valiosos e interessantes? É isso que é arrogância? Se não me dão nem uma bolsa de estudo - eu que quase destruí a minha vida para estudar - enquanto que meros puxa-sacos (que não criaram absolutamente nada na vida) viveram e vivem viajando pra lá e pra cá tudo a soldo de nossos impostos...? Alguém tem que falar por mim, por isso nasci com os meus próprios dedos afiados... Saibam que eu nunca serei um esmoler...

Mestres e Doutores: a mais nova classe proletária do Brasil; abastece com o seu exécito de desempregados a indústria do ensino do Brasil. Deverá surgir, em breve, o mais novo sindicalista do Brasil. Será um antípoda de LULA. O sistema capitalista deu o maior nó jamais dado em toda a sua história: escravizou o intelectual, tornando-o um refém da indústria cultural. Com isso, matou vários coelhos numa só talagada. Depois dizem que é no sistema capitalista que encontramos burros....! Ó Deus...livrai-nos dos ignorantes....!

Há muita discussão acerca da técnica – sobre os seus benefícios e malefícios. A filosofia contemporânea é testemunha disso. Se escrever é uma técnica, antes de ser um registro, ou - como querem alguns, uma expansão da memória, o certo é que o Homo pluralis (coetâneo dessas tão variadas formas de técnicas) caracterizou-se pelo pleno domínio das mesmas, querendo se apoderar ou esvaziar também outras formas de possibilidade. O Homo pluralis, de forma sumária, é o epítome desse domínio da técnica, a técnica como destruição exemplar (de apoderamento.) É impossível para o Homo pluralis o não domínio de quaisquer técnicas que sejam. E sob o Homo pluralis, subjaz uma outra categoria, que seria denominada de Homo pluralis artium. O Homo pluralis artium aponta os seus cinco sentidos, e, por que não dizer, o seu sexto sentido - porque está sempre à espreita – para a música, para a poesia, para a pintura e para toda forma de literatura. Onde possa emergir um pensamento, o Homo pluralis artium tenta lançar a sua canga. Não que isso fosse pernicioso em sua tentativa.
É de pleno direito do Homo pluralis exercer o seu livre arbítrio. Mas o Homo pluralis, às vezes, ultrapassa os limites de sua capacidade. Porque quanto mais toca, mais pinta; porque quanto mais pinta, mais escreve; porque quanto mais escreve, mais se perde em seu livre arbítrio, tangenciando por vezes um livre arbítrio mais meticuloso. O Homo pluralis parece-se, por vezes, com um rei tântalo afoito, que se livrou das duras algemas dos tártaros, impostas por júpiter, o pai e o soberano dos deuses. Esse rei tântalo liberto e libertino, perdido, agora precisa devorar tudo que se lhe apresenta e o que não se lhe apresenta também. Não lhe apraz o acoitamento reflexivo de um Epimênides cretense. Não, ele quer mostrar as suas artes, os seus manejos: ars artibus tão somente. O Homo pluralis artium assemelha-se mais a um autonarciso, que confunde e se confunde num lago poluído de escrituras e de suportes mal-acondicionados. O Homo pluralis contamina o jardim de adônis de Platão, plantando sementes em demasia. O Homo pluralis distorce o enunciado de amor fati de Nietzsche, ou não compreende deveras. Mas se é na minudência que encontraremos o nosso centro, forçoso será, pois, engendrar um Homo minimus? Será que na minudência que encontraremos o nosso centro, o nosso ponto arquimédico? Será mister, de vez, restabelecer esse velho embate: Homo pluralis versus Homo minimus? Antes de ser um neo-renascentista o Homo pluralis faz morrer toda tentativa de renascimento. Mais uma vez: o Homo pluralis antes confunde do que ilumina. Vivemos na verdade numa era trevas.

Como eu gostaria que o mundo fosse feito de sábados e domingos. Não porque eu seja um divino vagabundo, muito pelo contrário. Porque enqüanto alguns, aqui em Sampa, assistem ao péssimo jogo entre Corinthians e Inter, eu conectado estou no meu velho toshiba 2060cds - que nem sei bem como o adquiri. De sorte que se eu estivesse, neste exato momento, escrevendo para alguma coluna de jornal ou revista, eu estaria trabalhando no conceito nonsense da sociedade capitalista. Mas o que quero dizer com tudo isso? Quero dizer que nos sábados e domingos há praticamente um afrouxamento da vigilância do sistema: as cobranças, tanto físicas como pecuniárias, diminuem em um percentual que eu não saberia explicar. Há, parece, um tipo de perdão universal. Em determinadas casas - só em determinadas casas - mas a proporção pode-se aplicar para todos, come-se com fartura, as dívidas dos irmãos e parentes são momentaneamente esquecidas ou olvidadas. No campo de terra ou no society o patrão não briga com o seu subordinado, às vezes até, muito pelo contrário, inverte-se a relação, e ainda lhe pede um passe bem articulado e que lhe lance de trivela... Mas é só se anunciar a face mórbida da segunda-feira para que tornemos a ouvir no rádio, na tv ou na internet, sobre a pizza do mensalão, ou da cassação deste ou daquele deputado. Agora pergunto: haveria tanta necessidade de tantos colóquios e congressos para o bem-estar da humanidade? Não vemos, por que não queremos enxergar? Ou enxergamos, porque vemos? Já se disse alguma vez que precisamos ter um certo equilíbrio de nosso centro - um tipo de desafio - senão o barco vira e caímos naquilo que Heidegger chamava
de um ser-para-a-morte. A angústia primordial... Bem...não quero entrar nessas de Dasein, onto, ôntico... Acho tudo isso uma grande besteira...
O mundo é muito, muito mais simples do que imaginamos...
E eu como um mágico, tento aplicar todos os meus velhos truques...
Guardo ainda comigo uma porção deles todos...
Até que um dia eu resolva mesmo não mais brincar
de louco prestigitador barato...

Dias desses, vagando no emaranhado da solidão da cidade,
vi um filósofo perdido solicitando uma simples informação
a um fílax raso maleducado. Naquele momento, senti
o embate que se estabelece, quando se cruzam dois seres
de prosápias bem distinatas. O primeiro: taciturno, educado,
consciente do malogro da vida, piedoso e meio perdido em
seu labirinto de idéias. O segundo: olhar falso, olhos esgazeados,
como alguém que tivesse tomado um susto ao ver tão sublime figura
à sua frente -- e ainda por cima -- como se não bastasse:
truculento e pedante... Como poderia haver um diálogo
entre ambos? Coisa quase impossível
de acontecer, mas aconteceu... Havia, na verdade, ali,
naquele momento, uma inversão de valores...
Quem pedia a informação era o filósofo ao fílax e não o fílax
ao filósofo... Isso, em si, já denota de forma cabal e evidente
a decadência de uma cidade já em frangalhos...
Quando é a soldadesca e não o filósofo que dá as
respostas e as diretrizes para a cidade,
já é hora também de se declarar guerra
à imbecilização do mundo...
Mas a massa inastuta, como naquela caverna de Platão,
continua a seguir os passos da soldadesca ignara...
É como se bem diz naquele sábio e antigo refrão irlandês:
'coitados do filósofo e da filosofia que tentam
ingenuamente sobreviver
sozinhos
na cidade
dos semibárbaros...'

Literatura e os quatro segredos de Palene
Sinceramente, quando me perguntam o que é literatura,
eu fico embaraçado, dou volteios, explico, indago-me,
reexplico, tento convencer-me, desconvencendo-me daquilo
que eu tinha como certo, recoloco uma outra questão,
e saio com mais dúvidas do que tinha antes.
Na realidade, às vezes, seria muito mais fácil explicar o que não seria literatura.
Quando não conseguimos explicar o que é uma coisa,
é melhor julgá-la pela sua extrema polaridade ou por aquilo
que ela não é. E aí tento ir ao seu extremo: uma notícia de
jornal seria literatura? Depende... Seria e não seria...
Não seria pela sua intenção primária, mas poderia
vir a ser (in fieri) -- giginéstai --
em sua forma secundária...
Já ouvi muito falar sobre a intencionalidade
do poeta -- na estesia intencionada --
o que lhe daria foros literários...
Mas mesmo assim coloco as minhas madeixas de molho...
Não me estou muito disso convencido...
A pergunta-chave, ao que me parece, seria, sob o meu ponto
de vista, sobre o que é boa e má literatura...
Mas aí também poderíamos circundar num fio de navalha
tênue, fino e arriscado...
Opondo Platão a Aristóteles, eu imaginaria a literatura
menos como mimesis e mais como mundo
das idéias...
Um universo paralelo, particularizado, com
seu demiurgo próprio...
Um protoDeus imaginário..
De modo que literatura seria, de uma certa maneira,
uma vávula de escape para o seu autor, ou a recriação
de um mundo dado...
Polifuncional é a literatura: recria um mundo,
prenuncia uma chegada, distorce o já vivido,
contesta o tido como aceitável...
Literatura é tudo, menos realidade...(!?)
E realidade...(?!)
Tudo depende de seu criador...
Quem agora duvidaria que seríamos meros personagens
de um autor alucinado?...
Eu cá para mim tento cumprir o meu papel...
Vivemos na verdade num mundo ficcionado...
Uma verdadeira ficção...
E não sabemos mesmo muito bem
como tudo isso se acabará...
Espero que não seja como aquela antiga frase
de Churcill ou como um dos perosnagens de Kafka:
sangue, suor e lágrimas, nos equilibrando
em cima de um arriscado trapézio...
Só sei que nossa história está sendo muito bem escrita...
E ele poderá se chamar -- o seu autor -- um dia
-- Proteu -- o guardador dos quatro
segredos de Palene...

BAILE DE MÁSCARAS
Homens atropelam-me vindos dos seus bailes de máscaras
Ponho o meu sapato mocassim damasco
E caminho pelas alamedas pensando em Tessália
Halicarnasso, Éfeso e Esmirna
A menina do outro lado da calçada é minha
Cólquida perdida
Seus cabelos de cor sépia lembram-me oxidados
Astrolábios
Há muito naufrago neste mar imenso e revolto
Ó Zeus
Dá-me já as tuas argos e deixa-me partir para Bizâncio
guerra civil ou guerra entre civis
Ouço muito falar que estamos numa guerra civil. Isso se dá mais
por uma falta de análise dos conceitos. Eu, a meu modo, julgo
que vivemos uma pequena (quiçá) guerra entre civis, do que
propriamente uma guerra civil. Se eu fosse um desses filósofos,
que andam fazendo palestras por aí, eu diria que se trata mesmo
daquilo que se denomina de senso comum da nação. Antes de serem
conceitos que se cruzam e que se interligam, esses dois conceitos
são antes antípodas do que qualquer outra coisa. A saber:

# se estivéssemos numa guerra civil, os nossos cidadãos não
estariam se automutilando uns aos outros pelas ruas da pólis;

# haveria uma maior organização e conscientização dos cidadãos,
ou o que poderíamos chamar de uma iluminação da caverna platônica;

# o alvo em si não seria o concidadão, mas sim o estado;

# o estado sabe que enquanto houver guerra entre civis,
não haverá em hipótese alguma uma guerra civil;

# ou seja: a guerra entre civis torna-se um anteparo de
um estado inepto, inapto e impotente -- mas que se quer
perene no poder;

# guerra civil implica organização dos cidadãos (bonus sensus);

# guerra entre civis (comunis sensus);

# na guerra civil cai o estado;

# na guerra entre civis caem os cidadãos;

# na guerra entre civis -- interesse por bens do sistema capitalista;

# na guerra civil -- valorizam-se o cidadão, a ética e um certo tipo de moral;

# na guerra entre civis -- livre mercado e livre concorrência;

# na guerra entre civis -- controle de preços;

# na guerra civil valoriza-se o todo;


Princípio da Identificação


Julgo, a meu ver, que há um erro, quando se tenta chamar
A é A de Princípio da Identidade. Penso que seria
muito mais adequado chamá-lo, neste caso, de Princípio
da Identificação. Pois vejamos: com efeito, se chamarmos
(A)1 sujeito e (A)2 predicado, não poderemos
ter identidade, mas sim identificação de (A)2 com (A)1.
(A)2 sendo predicado de (A)1 -- portanto menos
universal que (A)1.

O tempo


Saio para dar uma volta. Passo pela padaria. Tudo fechado ou quase tudo.
A farmácia com aquela interiorana indolência. Escritores em férias. A angústia
tem dias marcados (calendários). A angústia precisa de férias. Angústia: a serviço
da alma despedaçada. Não há o que reclamar. A megalópole trabalha com um terço
de sua capacidade. Ou quase um terço. Para quê poetas? Ensaístas?
Descansam em suas belas praias. Quem iremos atacar? Poetas e escritores
que escrevem uma litetratura diferente da nossa? O mensalão que está também
em férias? Resta-nos recostados no espaldar da cadeira. Fazer novos projetos.
Agradecer a Deus o ano que passou. Nas ruas o tempo chumbo, plúmbeo
de sampa. Nas estantes os livros com suas largas lombadas. A floresta
negra de Heidegger nos visita. Estamos em férias. O tempo se dilata no
relógio. A folha seca a rolar na calçada. Os meninos brincando de mãe-da-rua.
Ruas tépidas. Silenciosas. Silêncio do tempo. Jornais com manchetes amanhecidas
e reinventadas. O tempo estanca na memória. De quê me serve Nietzsche
se não há nenhum ressentido à espera de uma farpa? O desespero de quem
se vê só. O tempo se dilata. O corpo carpe diem. Dois inimigos se afrontam:
corpo e alma. Preâmbulo de uma sonata anunciada com os seus labirintos.
Quem nos dera de novo a fissura dos tempos com os seus relógios...
Tempo que se esvai...corre...nos escapa...
Balas, molotovs, granadas, perfídias...
É assim que essa cidade pulsa, avança, destrói, se destrói, recomeça
e se reinventa...
Tempo... leitmotiv de nossas desesperanças perdidas...
O que seria de nós sem esse descompasso com o futuro,
somente esse silencioso tempo sobre as nossas cabeças desprotegidas
de inveja e maldade perniciosas?


Ao contrário de Cioran que parou de escrever por ter se cansado de caluniar o universo; eu ainda, pelo meu lado, continuarei escrevendo - enquanto o universo insistir em me caluniar.

Às vezes me sinto como quem perdeu uma batalha. Um soldado perdido que não foi á guerra. Um sujeito desamparado. Monólogo ensimesmado. Conversas fora de escala. Soldado B2 do terceiro distrito. Adstrito ao meu registro. Memorandos para mim mesmo. E no entanto sinto que a guerra ainda não me foi perdida.

John Cage: empresário. Duzentos e vinte e quatro mil dólares mensais. Freqüentador do Banana Café, nas noites de quintas a domingos. Na Wall Street brasileira,ouvimos passos apressados. Cuidado! Iminência de novos assaltos.

No princípio bem no princípio havia o silêncio de Pascal o buraco negro havia havia estrelas estelares magnificências tudo prelúdio de um nada hoje nesse princípio-precipício sentados harmoniosamente no prepúcio de um míssil ereto-eréctil-erosivo aqui nos encontramos no princípio bem no princípio havia o silêncio não esse silêncio no princípio havia o silêncio silêncio de Pascal magma da magnânima estrela.

O homem estético de Kierkegaard é o primeiro da tríade numa leitura ascendente. Para não o rebaixarmos e dizermos ser o último.

Ontem li um pequeno ensaio de Edward Said sobre os intelectuais. São 4, 5 ou 6 que compõem o livro. É da Cia das Letras. Traduzido pelo M. Hatoum. Gostei da leveza do ensaio. E concordo em gênero, número e grau no que ele diz. Estamos nos ressentindo de intelectuais desse naipe, que falam o que todos querem ouvir. Uma voz de passarinho. Li o ensaio em duas partes. A primeira foi logo após a programação da cultura que julguei boa ontem - (Um documentário sobre Barbosa Sobrinho, e lá vemos Hélio Fernandes, Montuello, Brizola e Darcy Ribeiro. Nunca li nada de Darcy Ribeiro. Tenho os seus dois livros ainda lá nas minhas estantes parados. Sei que tem gente do meio que desgosta um pouco dele. Eu só o conheci por entrevistas, e achava-o genial. Aquela coisa das mulheres, fugir do câncer para escrever um livro, as índias e esse ufanismo que de uma certa forma se faz necessário -- depois Hermínio Belo de Carvalho). A segunda foi para aplacar uma insônia lá pelas três e pouco de la matina. E não quero entrar aqui em maniqueísmos tolos. Precisamos antes ver as sínteses do que as contradições. Eu que tanto aqui falo nessa contradição do Paradoxo do Zero.


Todo homem se vende, quando não; é porque está remarcando o seu preço.


O homem sadio é racional; o homem doente é cordial; só não o é com a sua própria morte.


No hospital o homem doente vê o seu destino cavalgar sobre os outros ombros dos outros homens doentes.

O homem sadio aspira à eternidade; já o homem doente a rejeita mesmo estando junto a ela.
28/08/2007
ESTUDOS PARTICULARES SOBRE A VONTADE DA CAUSA EFICIENTE

Não quero tomar aqui o sentido estrito de pragmatismo que via de regra é confundido com intencionalidades particulares de interesses, quando não de interesses de grupos também. Sendo verdade, portanto, aquilo que é útil, mas não no sentido geral – mas útil aos esotéricos pragmatistas com seus téloi políticos. Mas queria aqui raciocinar, e não saberia usar uma palavra para substituir a própria palavra pragmatismo, senão pragmatismo mesmo. Então vejamos: será que todo nosso escopo filosófico - e aqui estou falando tão somente da teoria do conhecimento - não teria de per si a vontade de conhecer com uma vontade prática? Uma colher serve para quê? Muitos dirão, talvez, que serve para tomar algum líquido, algum remédio, raspar o tacho de um arroz etc...Ou seja: teria numa relação de respostas numa certa hierarquia culminando até na sua total inutilidade. Mas por que respondemos que a colher serve para essas coisas? Resposta: porque provavelmente tivemos uma relação prática ou de utilidade com ela, como seres cognoscentes do objeto colher. Todavia, se também perguntarmos ao fazedor da colher sobre os téloi da colher, obteremos provavelmente quase que a mesma hierarquia de respostas – obviamente não como arroladas aqui – mas quase numa perfeita conjunção e intersecção entre sujeito, objeto e causa eficiente. Posto que a verdade, nesse sentido, está estabelecida pela sua primeiridade ou ousía primeira. De modo que ter relação de conhecimento com objetos em que a sua causa eficiente está aí para ratificar não seria de todo um problema quanto à obtenção de sua verdade. É mais óbvio ainda que poderíamos nos dispor a elucubrar sobre a colher naquilo que ela tem de especificidade e de sutilezas, sobre a sua forma etc. Mas estaríamos, não obstante ou apesar disso, negando a sua intenção de ser colher. Posto que se trata de uma causa final ou vontade da causa eficiente. Já problemas conceituais e metafísicos como Deus, alma, etc tornar-se-iam um pouco mais difíceis de se resolver. Portanto, dentro desse escopo e dessa lógica, tudo que há, há pela razão da causa suficiente. Mas qual seria a causa eficiente então de Deus? Nesse sentido teríamos, então, que dizer que o problema não só passa pelo sujeito cognoscente nem somente pelo objeto em si, mas pela vontade da causa eficiente de Deus, que nesse caso poderia ser Deus-mesmo e a sua vontade de ser causa, forma, matéria e fim de si mesmo. Posto que quando perguntamos por Deus, como seres cognoscentes, sabemos - mesmo que intuitivamente e seriam nesse sentido vários saberes distintos – por qual Deus perguntamos, senão não perguntaríamos sobre Deus. Ainda, nesse sentido, queremos explanar que o problema deixa de ser um problema dicotômico entre sujeito e objeto, podendo sem dúvida também estar presente em ambos, mas o objeto só terá a verdade em si, e o mesmo ocorrendo com o sujeito, quando tivermos o devido conhecimento da vontade de sua causa eficiente. Ou seja, para resumir, a verdade está na vontade da causa eficiente, podendo estar no objeto e no sujeito também. Já no caso do primeiro motor de Aristóteles, eu diria que a vontade se encerra em si mesma. Mas a pergunta ainda é: se todos tivéssemos um dia o pleno e verdadeiro conhecimento de Deus, será que nesse mesmo dia não O utilizaríamos para as nossas não menos particulares verdades? A verdade que queremos conhecer para melhor usá-la e dela nos atribuirmos? Se, ainda, porém, não temos a verdade primordial, assim vivendo vamos com as nossas particularidades de verdades. Sendo o nosso propósito uma segunda causa eficiente de uma primeira vontade ainda desconhecida. Mas não é por isso que eu chamaria isso de pragmatismo, mas de solução particular e momentânea de um problema, não menos ainda que particular. E sabendo-nos sabedores da verdade-primeira da causa eficiente, quem nos garantiria, também, que não a usaríamos em nossas particulares e secundárias intenções, só para o mero pretexto de nos ajudar a nos justificar em nossos particulares intentos?

WILSON LUQUES COSTA
Sem revisão final.
SÃO PAULO, 31 DE JULHO DE 2007
Cassirer – o poeta de Davos.


Como diz Cassirer na introdução do seu belíssimo ensaio: O mundo humano do espaço e do tempo, “o espaço e o tempo são a estrutura em que toda a realidade está contida.”

Com efeito, onde situar então o poeta , esse ser com infinitos apodos? É-se poeta quando querem achincalhar; é-se poeta quando querem destituir toda e qualquer argumentação filosófica; é-se poeta quando querem, de forma sub-reptícia, alijar de toda e qualquer escola ou confraria, na qual são estimulados e desenvolvidos - até quase o seu esgotamento, todos os argumentos físicos e metafísicos.

É de se supor que ao poeta cabe então o espanto ao se deparar com conceitos estranhos à sua arte.

O poeta, de repente, entra numa aporia. O poeta mal sabe, mas já está fazendo filosofia, na pura acepção da palavra. Ele que é destituído de toda racionalidade. Passa então a ser um puro fato, uma facticidade. O poeta e a sua derrelição.
Nesse sentido, onde a possibilidade do real do poeta, se já não tem nem mesmo no mundo fenomenológico condições de conceber o seu espaço e tempo?

Será por que o poeta com a sua largueza excede as medidas e as limitações espaciais e temporais? Por isso considerado por quase todos como um nefelibata que nada resolve?

Será por que, como Cassirrer situa no texto sobre as crianças, tem de aprender ainda “muitos talentos.” De modo que o poeta seria, por conseguinte, uma mera criança no universo filosófico, caber-lhe-iam apenas os jogos de devaneio.

Devaneio não no sentido de delírio, mas sim no seu sentido mais literal, pensar nas coisas vãs. Ao poeta não cabe pensar no universal. Seria pura tautologia; um jogo de metáforas, catacreses, metonímias, oximoros.

Como um Proteu, lhe cabe a transfiguração, a prestidigitação. Por isso o poeta, muitas vezes, comparado ao gato, melindroso felino. Mas o gato não é constituído de palavras. Ao gato não cabe a nomeação. Gato não aspira a ser um demiurgo e muito menos os que levam a chalaça de poeta. Não é o poeta que se intitula poeta; antes muito pelo contrário.

Raras são as vezes em que isso ocorre, e quando ocorre, creiam ou creia, não passa de lídimo cabotinismo, lídimo narcisismo mal resolvido. Onde então a linha tênue entre poeta e filósofo; filósofo e poeta? Não seria também o filósofo um meio fio? Para os poetas não passa de um cientista; para os cientistas não passa de um poeta fracassado.

E lá vai o filósofo trabalhar as suas antinomias.

Platão, na certa, o salvou: “uma lei estabelece que no primeiro nascimento, a alma não entra no corpo de um animal; aquela que mais contemplou gerará um filósofo.” Muitos deturpam e desconsideram o filósofo, como deturpam e desconsideram os poetas.

Platão, em Fedro, dizia dos poetas, referindo-se aos graus ou cânones: “a do sexto terá a existência de um poeta ou qualquer outro produtor de imitações.”- e Platão vai além: “nenhum poeta ainda cantou nem cantará a região que se situa acima dos céus.”

Resta ao poeta então o chão, mas onde pousar as suas asas aladas, as suas asas de gigante nos versos de Baudelaire. Um albatroz é desengonçado, chega mesmo a ser ridículo.


Mas se pergunta: quem cantará? Quem poderá melhor falar dos universais do que um ser universal? Poderiam responder que Nietzsche, pois estudado na cátedra como filósofo respeitado por muitos; mas Nietzsche já dava a sua réplica em Ecce Homo: “Deus”, “imortalidade da alma”, ‘redenção”, “além”, todos esses são conceitos que nunca levei em conta; nunca com eles sacrifiquei o meu tempo, nem mesmo em criança.”

Será que Nietzsche comparava os filósofos às crianças? Se assim for, o poeta não estaria isolado. E lá vem Nietzsche de novo: “nem mesmo em criança; talvez nunca fosse bastante ingênuo para fazê-lo.” Assim o poeta e o filósofo numa aporia absoluta se confundem.

Em Davos, Suíça, em 1929, por ocasião dos encontros universitários ocorridos naquele país, o filósofo judeu, Ernst Cassirer, foi vítima das lancinantes palavras de Heidegger que defendia a “necessidade de uma destruição daquilo que foi até agora o fundamento da metafísica ocidental ( o Espírito, o Logos, a Razão)”. Naquela ciclópica luta, quem o filósofo; quem o poeta? Quem o dono da verdade? Seria essa violência já um estofo de um espírito maior? Mesmo os mais sagazes filósofos, atribuem-se de ferramentas poéticas.

A metáfora, não inconsequentemente, torna-se um baldrame bem seguro nas mãos dos filósofos. Às vezes para se falar de Estado, fala-se de Espírito. Mas como, se o que não se pode dizer deve-se calar? Mas e as metáforas dos poetas? Por que não falar como se deve? Por que o discurso que se faz por meandros? Por que o discurso que serpenteia nas encostas da dissimulação, fazendo, assim, tropeçar nos tropos? Para instaurar.... um sistema...ou qualquer coisa que o valha.

Já o poeta fala por metáforas, porque pretende recriar um mundo que não lhe cabe. Nesse sentido o poeta torna-se o antípoda do filósofo, pois já carrega o espírito destruído.

Caímos novamente na filosofia: Qual espírito?

O poeta não quer fazer um mundo. O poeta não cabe, mas também não quer caber. O poeta é pura contingência. Ele está aí no mundo. Dasein? Também não! Ele habita um mundo inóspito.

Há muitos que opõem o poeta à ciência. Chega a ser excludente tal relação. O poeta não é inimigo da ciência. O poeta se pergunta, tal como o filósofo. A diferença é que o poeta responde, ou tenta responder, mesmo que errado. Dizer que o poeta não pergunta sobre os universais, seria como dizer uma falácia.
Dizer também que a poesia nada resolve, como se a ciência viesse dar conta de tudo, é outro erro crasso.

Falar em juízos sintéticos a priori como se fossem a panacéia é uma quimera. Parece que todos correm tresloucadamente no intuito de descobrir o primeiro juízo sintético a priori.
Sabe-se que na literatura, James Joyce, autor irlandês, que escreveu Ulisses, dizia que deixaria os pósteros enlouquecidos e parece que Kant, antes, o mesmo fez também

Kant, com a sua benevolência e com a sua revolução copernicana, quis dar uma sobrevida à metafísica, afirmando, na Crítica da Razão Pura, que a matemática ou a física é a que lhe daria uma última dose de alento, assim como se aviam remédios de tarja preta a doentes terminais.

E aí todos a correr em busca dos cálculos exponenciais e excepcionais. Muito se afirma aqui e acolá da universalidade da matemática e da sua não contradição, dos axiomas perfeitos. Como se se pudesse falar daquilo de que não se conhece. Desolado e deprimido, o poeta põe a cabeça entre os joelhos, ergue as mãos para os céus e invoca Deus. E por qual Deus? Nada de filosofia ao poeta. Esse Deus, que ele próprio concebeu para si, lhe basta, sem maiores elucubrações. Deixa de ser filósofo. Aliás, nunca o fora.

Kant na sua sobeja experiência não se furtava entretanto de dar à arte um último suspiro e, de uma forma ou de outra, lhe dava também uma certa dignidade. Kant além de gênio era astuto, ludibriou os exatos, para que o zéfiro soprasse livremente.

Kant talvez tenha percebido que o poeta fora o primeiro a priori, algo que não se dá como experiência; mas o poeta é um axioma contraditório; o poeta chega a ser mesmo uma inconsistência - seria como uma tal multiplicação: [1 X 0 = 0] que nada resolve - seria equiparado àquele matemático, quando afirma que [ 0 X 1 =0 ]; outra inconsistência.

Ambos, nesse sentido, dois poetas. O poeta e o matemático: o poeta das metáforas; o matemático; poeta dos números anódinos que só dão conta do real, dessas coisas comezinhas: duas pêras mais duas pêras são quatro pêras, sem atentar para o fato de um mundo de não-pêras.

Por isso tautologias em cima de tautologias. Por isso esses banquetes do saber. Por isso essas ágapes filosóficas, seja em Davos, onde também esteve Hans Castorp.
Ao menos, Hans Castorp tentava se curar de sua maladia mais real, mas curvou-se à doença filosófica, relegando seus pulmões a um segundo plano. Seus brônquios aspiraram um oxigênio puro, é verdade. Aspirou também um pouco do sutil filosofar de Naphta “que não tinha fé na ciência – visto o homem ter plena liberdade de crer nela....a própria palavra “ciência” era a expressão do mais estúpido realismo que não se envergonhava de aceitar e gastar como moeda sonante os reflexos mais que duvidosos que os objetos sofriam do intelecto humano, e de preparar com eles a mais lamentável e a mais insossa doutrina que já se impingiu à humanidade.”

Com efeito, qualquer pessoa que soubesse pensar logicamente seria levada a experiências curiosas e a resultados divertidos com esse dogma do espaço infinitos reais; obteria precisamente o resultado: “nada.”

Será que seriam todos: poetas, filósofos e quejandos dotados de certas doenças. E se descobríssemos o primeiro motor aristotélico?

Para o poeta verdadeiro isso nada significaria - porque “o maior perigo de quem escreve é fazer da pena ou pensamento um ídolo. Ou um título. Quando nos devíamos até envergonhar de ser homens de letras, tal o peso dos venenos morais e outros que elas carregam consigo por nossa culpa.”

Mas há poetas que filosofam? Talvez: “uma vez senhor Pi saiu por uma tangente de sua sólida casa redonda e penetrou no futuro antes que os demais. Pálido retornou e exclamou: “Estive no futuro.” E como é?, lhe perguntaram. “Não sei, o futuro é escuro. Não se vê nada porque o sol não sai no futuro, os relógios não marcam todavia a hora e, mesmo se a marcassem, nada se veria porque tudo é terrível como a noite. Não vi nada no futuro e me assustei.” Desde então, o senhor Pi limitou as suas saídas ao estritamente indispensável, sempre dentro de seu raio, e nunca mais saiu de casa sem antes consultar seu horóscopo.”

Muito se fala de : “esse é um esquema.” “Deus está morto.” “As estrelas no céu.” “Conhecimento puro conduz a juízos universais e necessários.” “7 + 5 = 12.” “Duas linhas paralelas jamais se encontram no espaço.” “Absoluto de: Descartes; Kant; Hegel; Bergson.”


E aí vem H.L Mencken, um irônico safardana apunhalando: ”um metafísico é alguém que, quando você lhe diz que dois vezes dois são quatro, ele quer saber o que você entende por “vezes”, o que significa “dois”, e o que quer dizer “são” e por que isto dá quatro. Por fazerem tais perguntas, os metafísicos desfrutam um luxo oriental nas universidades e são respeitados como homens educados e inteligentes.” Mas Schopenhauer já avisava:” o verdadeiro filósofo deverá suportar as intrigas tecidas pela inveja.” Motivo para se ficar com os filósofos.

Agora poesia não tem só o belo. O poeta não é uma ânfora de cristal. Não é algo quebrantável de porcelana. Um poeta é um ser que pensa na sua finitude; não é também um mimético. Larguemos mãos de nos apoiar em colunas porque foram colunas. Todos os ensaios falam de um poeta, aquilo que ele efetivamente não é e pronto. Quem quiser acreditar que acredite. O monturo estaria cheio a esta hora de ensaios maravilhosos. Estiagem em plena primavera. Um dos problemas cruciais do poeta é a morte.
Bem entendido, a sua morte. O poeta pensa para dentro. Poeta não pensa para fora. É apenas um simulacro. Não obstante Galileu, o poeta não deixou de ser o centro de seu universo. A revolução copernicana não se deu com o poeta. Para o poeta o futuro dura muito tempo; ou “o futuro cansa e põe de mau humor.
Dá gana de fumar. Como o cigarro, o futuro também é anacrônico e prejudicial à saúde.”

Dessa maneira, poderíamos falar como Cassirer “a poesia é uma forma pela qual um homem pode passar veredicto sobre si mesmo e sua vida”, pode até se dizer que dá para falar de universalidade quando Cassirer afirma: “mas a poesia não é a única forma, e talvez não seja a mais característica, de memória simbólica” e vai mais longe: “Agostinho não relata os eventos de sua própria vida, que para ele mal valiam a pena ser lembrados ou registrados. O drama contado por Agostinho é o drama religioso da humanidade.

Sua própria conversão não é mais que a repetição e o reflexo do processo religioso universal – da queda e da redenção do homem.”

Pode-se ainda dizer que quando ri do poeta, a humanidade está rindo da sua própria queda. O que nos leva a compreender por que “o público de Davos – entre o qual se encontravam Jean Cavaillès, Emmanuel Lévinas, Maurice de Gandillac – não deixaria de sensibilizar-se com a violência contida nos ataques de Heidegger contra o seu colega Cassirer – a quem, no momento da partida, ele recusará estender a mão.”



Quando se ataca a poesia, mesmo na figura de filósofos eminentes, já é tempo de se colocar sob alerta. O poeta jamais deixará de ser o farol do mundo. Com Cassirer, em Davos, a filosofia não seria mais a mesma. Cassirer como filósofo saiu derrotado, mas os perjuros lhe lançaram as chamas da poesia. Cassirer se tornou assim o mais recente albatroz da filosofia contemporânea. Nem sempre para se ser poeta é necessária a feitura de versos, às vezes, uma simples ofensa lhe basta. Pode-se concluir então que de Davos puderam-se instaurar um novo olhar e uma nova possibilidade da filosofia contemporânea. Dos inúmeros embates das alturas , às vezes, é mais fácil rir da seta no ar e coxear como o enfermo alado.


Albatroz

Às vezes, por prazer, os homens da equipagem
Pegam um albatroz, imensa ave dos mares,
Que acompanha, indolente parceiro de viagem,
O navio a singrar por glaucos patamares.

Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés,
O monarca do azul, canhestro envergonhado,
Deixa pender, qual par de remos junto aos pés,
As asas em que fulge um branco imaculado.

Antes tão belo, como é feio na desgraça
Esse viajante agora flácido e acanhado!
Um, com o cachimbo, lhe enche o bico de fumaça,
Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado!

O poeta se compara ao príncipe da altura
Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;
Exilado no chão, em meio à turba obscura,
As asas de gigante impedem-no de andar.
WILSON LUQUES COSTA
2002/SÉCULO XXI
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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Quem sou eu

Nascido na cidade de São Paulo em 15 de fevereiro de 1960. Formado em Jornalismo (UMC/1983). Professor titular do ensino médio da disciplina de filosofia. Pós-Graduado, em nível de Especialização, em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pelo Instituto de Psicologia (USP /2001). Entre os anos de 1999 a 2005, fez extensão universitária dos instrumentais de grego, latim e alemão, cursando também mestrado (sem concluir) em educação e filosofia. Autor de dois livros na literatura, do Ensaio Paradoxo do Zero (Fundação Biblioteca Nacional/2003) e do conceito filosófico O Princípio da Identidade Negativa. É verbete nos livros O Céu Aberto na Terra, Sobre Caminhantes, A vocação Nacional da UBE: 62 ANOS, Revista de arte e literatura Coyote.