domingo, 5 de setembro de 2010

Sentado num café em Sampa, um dia desses, veio-me a ideia de relatar o meu diário; melho; de relatar os diários de um rapsodo. Não sei, com efeito, qual é a linha tênue entre o real e a literatura; sei que somos atores de uma peça cujo autor se esconde para alguns e se mostra para outros; ou será que encenamos a nossa própria história nesse palco da vida... Relato aqui os meus dias; as minhas confidências e minhas inconfidências. Tenho acordado tarde e dormido tarde. E quando menos espero o dia se foi. Não tenho tido tempo para postar. Ontem estive na Paulista pela manhã e passei pelas lojas da livraria cultura; mas retornei cedo, por conta das chuvas torrenciais que vem caindo em sampa. Andei folheando uns livros do Instituto Moreira Sales com fotos antigas de Sampa. Lá na livraria Cultura folheei também um livro de poesia com alguns poetas brasileiros e confesso que não me empolguei. Tem de Ferreira Gullar a Arnaldo Antunes, passando por Francisco Alvim etc; depois folheei um livro do Nelson Ascher, mas também não me empolguei. Acho o Nelson Ascher um grande tradutor e gosto até do seu modo poético que tem um certo discurso mesoclítico que lhe dá um certo sabor, mas não me parece um poeta na acepção bruta da palavra -- ou melhor, um poeta vocacionado ou destinado. Mas um homo tecnicus oui. E isso não é demérito nenhum, muito pelo contrário. Quando digo poeta, digo daquilo que falou Tristão de Athaíde sobre Manuel Bandeira, que vocês já devem saber. Mas eu mesmo estou longe da poesia. O meu irmão me presenteou com um livro de Fernando Pessoa que ainda não li. Mas eu só escrevo poesia na tristeza ou na raiva ou quando leio poemas, tentando fazer melhor ou pior do que li e isso é para o conto também -- uma espécie de diálogo que elaboro em contrapelo com os outros escritos - que julgo insuficientes para estarem enfeixados em livros, mas que estão não sei porquê -- um tipo de corretivo que nem sempre me é benfazejo também. Ocupei-me nesse início do ano também com o livro da editora 34, que reli e releio sempre, Conversas com Filósofos Brasileiros. É, de fato, um livro interessante, mas com um discurso bastante e muitas vezes abstruso. Sinceramente, não vejo nada de novo no sentido de um filosofar autêntico; e nisso estão de acordo quase todos os entrevistados quando se posicionam quanto a uma filosofia original e brasileira. Sinceramente, eu não tenho condição nenhuma de suportar uma conversa com esses professores nem se me forem dados ao menos uns cinco minutos de palestra com eles -- estou, creio, vários tons abaixo; mas seus discursos ecoam sempre como que elaborados em cima de conceituações fisgadas nos rios de paris, rennes, berlim etc; com uma espécie de falta de criatividade no estrito sentido de uma problematização original como eu, acredito, fiz -- com os meus parcos e outsiders escritos e mananciais com os quais engendrei. E nisso eu acredito que todos esses professores falharam: em não nos deixar não uma filosofia brasileira, pois não acredito em filosofias pátrias, mas sim uma problematização universal que fosse além de Marx, Kant, Hegel, Espinosa etc. Ou seja, fomos retóricos demais, quando, na verdade, poderíamos ser mais minimalistas e muito mais originais e pontuais.

Lecionando em 2009 ensino religioso para o ensino fundamental, eu me deparei com uma situação bastante peculiar: duas alunas bondosas alocaram num trabalho escolar o nome de um aluno que provavelmente não participou do trabalho. Naquele dia, eu tive a grande oportunidade de dizer-lhes que antes de sermos bondosos devemos ser justos -- no que se fizeram compreender sem maiores delongas. E é justamente isso que desejo para todos nós nesse 2010 que principia: Justiça antes da graciosa bondade que nem sempre se faz justa, sobretudo se a pusilânime bondade vier antes da justificada justiça.

Passando certo dia pela alameda B. aventou-me um tipo de poesia; imaginei esse momento, quando o amor escorre no tempo e dizima as ilusões; hoje talvez vejo materializada aquela intuição. ´As primaveras já adentram os pórticos de setembro com as mais lindas flores, mas no alto - sobre o velho prédio gótico, ali, onde as pombas vêem: [nossas dores - calada, há uma mulher que os meus amores desprezou. Hoje, ela não tem mais os típicos sentimentos de uma época inocente nem amores de inverno ou raios eróticos reminiscentes dos idos momentos da vida, quando suas dores também eram as minhas dores... Muito além: seus pensamentos; os meus pensamentos... seu lábio...seu semblante...seu cabelo... seu amor...seu sonho... sua pele e o seu apelo...´

Não tenho escrito muita coisa ultimamente. E isso se deve à minha inapetência em escrever algo plausível. Toda escrita tem um télos: um registro, uma leitura imediata ou mediata, um entendimento do que se escreve. E pelo que me parece eu não escrevo coisas que estão na ordem do dia. Escrever sobre um outro possível modelo atômico, escrever sobre a ideia de tempo explicitada num triângulo retângulo, escrever sobre o princípio da identidade negativa ou sobre a contradição matemática, ou ainda escrever uma crítica fundamentada na lógica sobre o conceito de verdade em Descartes... De fato, seria mesmo como não escrever. Por isso, por ora, o silêncio -- talvez mais eloquente do que quem escreve ou fala. Voltemos às nossas coisas mais comezinhas. Tudo é uma questão de escolha. E nós não podemos escolher os nossos leitores, como convenientemente escolhemos os nossos autores. Só podemos escolher e colher os frutos que estão às nossas alturas. As copas das árvores tocam-se mais juntinhas, junto às grandes tempestades. Quem será o furacão daí a detonar a decisiva fagulha?

Já faz mais de um ano que eu me iniciei nos rudimentos do hebraico bíblico. Posso dizer que eu pouco evoluí. Não consigo ler, nem me aventuro, um texto completo ainda. Já domino um pouco a gramática. Mas eu não tenho pressa. Ontem mesmo estudei mais um pouco. Hoje também. Não obstante o atulhamento de diários do que sou circundado. Tenho 26 diários. Sem falar nos conselhos de classe. Mas é a minha profissão que exige uma certa burocracia. E eu gosto da burocracia, porque trabalhei anos a fio numa seguradora. E eu adoro trabalhar. O trabalho é salutar aos homens no que Voltaire estava certo em suas máximas. Não é raro vermos pessoas adoecerem após a aposentadoria. Eu quero trabalhar a vida inteira. Quero pensar a vida também e nisso a filosofia muito pode contribuir. Sei que as minhas ideias não tem uma caixa de ressonância devida e adequada, não obstante chatear todos aqui com panegíricos de pessoas que entendem do babado. Mas eu vou escrevendo no blog, dialogando com as pessoas. As pessoas me perguntam como penso dessa forma. Nem eu sei. É porque sou muito problematizador. Eu consigo captar as filigranas. É um dom meu. Mas tudo vem de muito estudo. Por isso é importante estudar muito. Eu leio sobre tudo. E é por isso que eu consigo amarrar os conceitos e articulá-los. Não acredito nessa coisa de gênio. E vejam: não estou falando de mim. E nem sou tão metido assim como pareço. Eu sou muito brincalhão, irônico e bem humorado. Mas no blog eu passo esse meu lado gauche que não tenho. Quanto ao grego, venho estudando também. É incrível como domino menos os textos do que a gramática. Mas fazer o que, se esse é o meu vício ou vezo?

Não tenho tido muita vontade de postar ultimamente. Quem escreve, julga importante aquilo que escreve. Eu já julguei tembém importante registrar um poema, um conto, um pensamento crítico filosófico. Mas eu não tenho tido mais vontade de escrever contos, poemas, poesia, filosofia. Ando meio blasé com a escrita. Também não acho importante escrever e muito menos quem escreve. Não que a pessoa não seja importante. Convenhamos: aquela aura de escritor perdeu-se há muito com a nova pós-modernidade. A escrita vale tanto quanto a fala ou como o próprio silêncio.

Não tenho autorização para apresentar os e-mails recebidos sobre os meus estudos. Como esses escritores estão ainda vivos e com muita saúde, graças a Deus, dou a devida oportunidade de denegarem o que escreveram ou disseram. Não quero ser passado por mentiroso. Abro democraticamente esse espaço para que se esclareçam quaisquer dúvidas a respeito. Quanto aos meus estudos filosóficos, só rasgarei os e-mails, que estão guardados a sete chaves, se provarem que digo algo sem sentido. Caso contrário, vão ficar para a próxima geração esquentar a cabeça. Pelo menos não morrerão de tédio nem ficarão sem projetos filosóficos para os próximos cem anos.



Já ouvi falar - ou se não me engano é o meu daímon que vive me perturbando - que eu pareço ser um cara arrogante. Às vezes, até penso que as pessoas têm um pouco de razão. Mas se querem saber: se eu fosse escolher um amigo para a toda vida, eu, sem dúvida, me escolheria. E olha a boca pequena já dizendo: vai ser narciso assim... Não é... É porque me conheço. Sou amigo. Não traio. Mulheres traí muitas. Mas não traio o amigo, o colega de serviço, o professor etc. De maneira que só as mulheres comigo que correm grandes riscos, mas isso para não falar que é algo que se compensa, porque as trairei evidentemente com outras belas mulheres. De modo que se equilibra a Dow Jones. Mas aquilo que as pessoas pensam que é arrogância é na verdade o meu lado exacerbadamente crítico de um mundo que vem se despencando aos poucos e que está entrando num tremendo colapso. As pessoas não percebem que repetem o que abominam. Exemplo:detestam jogos escusos de determinados políticos ou abominam o preconceito e criticam, só que agem da mesma maneira na literatura, poesia, filosofia e por aí vai...então alguém tem que chutar esse balde e eu então empresto a minha destra, porque de canhota sempre fui meio grosso...Outra coisa: não tenho padrinhos midiáticos, portanto a minha fala é quase que inócua, mas mesmo assim tento. Quem, se não for eu, poderá testemunhar que já fui chamado de gênio pelos meus estudos de filosofia, por escritor de renome no Brasil? Quem guardará os e-mails que recebi de intelectual brasileiro dizendo que os meus estudos são valiosos e interessantes? É isso que é arrogância? Se não me dão nem uma bolsa de estudo - eu que quase destruí a minha vida para estudar - enquanto que meros puxa-sacos (que não criaram absolutamente nada na vida) viveram e vivem viajando pra lá e pra cá tudo a soldo de nossos impostos...? Alguém tem que falar por mim, por isso nasci com os meus próprios dedos afiados... Saibam que eu nunca serei um esmoler...

Mestres e Doutores: a mais nova classe proletária do Brasil; abastece com o seu exécito de desempregados a indústria do ensino do Brasil. Deverá surgir, em breve, o mais novo sindicalista do Brasil. Será um antípoda de LULA. O sistema capitalista deu o maior nó jamais dado em toda a sua história: escravizou o intelectual, tornando-o um refém da indústria cultural. Com isso, matou vários coelhos numa só talagada. Depois dizem que é no sistema capitalista que encontramos burros....! Ó Deus...livrai-nos dos ignorantes....!

Há muita discussão acerca da técnica – sobre os seus benefícios e malefícios. A filosofia contemporânea é testemunha disso. Se escrever é uma técnica, antes de ser um registro, ou - como querem alguns, uma expansão da memória, o certo é que o Homo pluralis (coetâneo dessas tão variadas formas de técnicas) caracterizou-se pelo pleno domínio das mesmas, querendo se apoderar ou esvaziar também outras formas de possibilidade. O Homo pluralis, de forma sumária, é o epítome desse domínio da técnica, a técnica como destruição exemplar (de apoderamento.) É impossível para o Homo pluralis o não domínio de quaisquer técnicas que sejam. E sob o Homo pluralis, subjaz uma outra categoria, que seria denominada de Homo pluralis artium. O Homo pluralis artium aponta os seus cinco sentidos, e, por que não dizer, o seu sexto sentido - porque está sempre à espreita – para a música, para a poesia, para a pintura e para toda forma de literatura. Onde possa emergir um pensamento, o Homo pluralis artium tenta lançar a sua canga. Não que isso fosse pernicioso em sua tentativa.
É de pleno direito do Homo pluralis exercer o seu livre arbítrio. Mas o Homo pluralis, às vezes, ultrapassa os limites de sua capacidade. Porque quanto mais toca, mais pinta; porque quanto mais pinta, mais escreve; porque quanto mais escreve, mais se perde em seu livre arbítrio, tangenciando por vezes um livre arbítrio mais meticuloso. O Homo pluralis parece-se, por vezes, com um rei tântalo afoito, que se livrou das duras algemas dos tártaros, impostas por júpiter, o pai e o soberano dos deuses. Esse rei tântalo liberto e libertino, perdido, agora precisa devorar tudo que se lhe apresenta e o que não se lhe apresenta também. Não lhe apraz o acoitamento reflexivo de um Epimênides cretense. Não, ele quer mostrar as suas artes, os seus manejos: ars artibus tão somente. O Homo pluralis artium assemelha-se mais a um autonarciso, que confunde e se confunde num lago poluído de escrituras e de suportes mal-acondicionados. O Homo pluralis contamina o jardim de adônis de Platão, plantando sementes em demasia. O Homo pluralis distorce o enunciado de amor fati de Nietzsche, ou não compreende deveras. Mas se é na minudência que encontraremos o nosso centro, forçoso será, pois, engendrar um Homo minimus? Será que na minudência que encontraremos o nosso centro, o nosso ponto arquimédico? Será mister, de vez, restabelecer esse velho embate: Homo pluralis versus Homo minimus? Antes de ser um neo-renascentista o Homo pluralis faz morrer toda tentativa de renascimento. Mais uma vez: o Homo pluralis antes confunde do que ilumina. Vivemos na verdade numa era trevas.

Como eu gostaria que o mundo fosse feito de sábados e domingos. Não porque eu seja um divino vagabundo, muito pelo contrário. Porque enqüanto alguns, aqui em Sampa, assistem ao péssimo jogo entre Corinthians e Inter, eu conectado estou no meu velho toshiba 2060cds - que nem sei bem como o adquiri. De sorte que se eu estivesse, neste exato momento, escrevendo para alguma coluna de jornal ou revista, eu estaria trabalhando no conceito nonsense da sociedade capitalista. Mas o que quero dizer com tudo isso? Quero dizer que nos sábados e domingos há praticamente um afrouxamento da vigilância do sistema: as cobranças, tanto físicas como pecuniárias, diminuem em um percentual que eu não saberia explicar. Há, parece, um tipo de perdão universal. Em determinadas casas - só em determinadas casas - mas a proporção pode-se aplicar para todos, come-se com fartura, as dívidas dos irmãos e parentes são momentaneamente esquecidas ou olvidadas. No campo de terra ou no society o patrão não briga com o seu subordinado, às vezes até, muito pelo contrário, inverte-se a relação, e ainda lhe pede um passe bem articulado e que lhe lance de trivela... Mas é só se anunciar a face mórbida da segunda-feira para que tornemos a ouvir no rádio, na tv ou na internet, sobre a pizza do mensalão, ou da cassação deste ou daquele deputado. Agora pergunto: haveria tanta necessidade de tantos colóquios e congressos para o bem-estar da humanidade? Não vemos, por que não queremos enxergar? Ou enxergamos, porque vemos? Já se disse alguma vez que precisamos ter um certo equilíbrio de nosso centro - um tipo de desafio - senão o barco vira e caímos naquilo que Heidegger chamava
de um ser-para-a-morte. A angústia primordial... Bem...não quero entrar nessas de Dasein, onto, ôntico... Acho tudo isso uma grande besteira...
O mundo é muito, muito mais simples do que imaginamos...
E eu como um mágico, tento aplicar todos os meus velhos truques...
Guardo ainda comigo uma porção deles todos...
Até que um dia eu resolva mesmo não mais brincar
de louco prestigitador barato...

Dias desses, vagando no emaranhado da solidão da cidade,
vi um filósofo perdido solicitando uma simples informação
a um fílax raso maleducado. Naquele momento, senti
o embate que se estabelece, quando se cruzam dois seres
de prosápias bem distinatas. O primeiro: taciturno, educado,
consciente do malogro da vida, piedoso e meio perdido em
seu labirinto de idéias. O segundo: olhar falso, olhos esgazeados,
como alguém que tivesse tomado um susto ao ver tão sublime figura
à sua frente -- e ainda por cima -- como se não bastasse:
truculento e pedante... Como poderia haver um diálogo
entre ambos? Coisa quase impossível
de acontecer, mas aconteceu... Havia, na verdade, ali,
naquele momento, uma inversão de valores...
Quem pedia a informação era o filósofo ao fílax e não o fílax
ao filósofo... Isso, em si, já denota de forma cabal e evidente
a decadência de uma cidade já em frangalhos...
Quando é a soldadesca e não o filósofo que dá as
respostas e as diretrizes para a cidade,
já é hora também de se declarar guerra
à imbecilização do mundo...
Mas a massa inastuta, como naquela caverna de Platão,
continua a seguir os passos da soldadesca ignara...
É como se bem diz naquele sábio e antigo refrão irlandês:
'coitados do filósofo e da filosofia que tentam
ingenuamente sobreviver
sozinhos
na cidade
dos semibárbaros...'

Literatura e os quatro segredos de Palene
Sinceramente, quando me perguntam o que é literatura,
eu fico embaraçado, dou volteios, explico, indago-me,
reexplico, tento convencer-me, desconvencendo-me daquilo
que eu tinha como certo, recoloco uma outra questão,
e saio com mais dúvidas do que tinha antes.
Na realidade, às vezes, seria muito mais fácil explicar o que não seria literatura.
Quando não conseguimos explicar o que é uma coisa,
é melhor julgá-la pela sua extrema polaridade ou por aquilo
que ela não é. E aí tento ir ao seu extremo: uma notícia de
jornal seria literatura? Depende... Seria e não seria...
Não seria pela sua intenção primária, mas poderia
vir a ser (in fieri) -- giginéstai --
em sua forma secundária...
Já ouvi muito falar sobre a intencionalidade
do poeta -- na estesia intencionada --
o que lhe daria foros literários...
Mas mesmo assim coloco as minhas madeixas de molho...
Não me estou muito disso convencido...
A pergunta-chave, ao que me parece, seria, sob o meu ponto
de vista, sobre o que é boa e má literatura...
Mas aí também poderíamos circundar num fio de navalha
tênue, fino e arriscado...
Opondo Platão a Aristóteles, eu imaginaria a literatura
menos como mimesis e mais como mundo
das idéias...
Um universo paralelo, particularizado, com
seu demiurgo próprio...
Um protoDeus imaginário..
De modo que literatura seria, de uma certa maneira,
uma vávula de escape para o seu autor, ou a recriação
de um mundo dado...
Polifuncional é a literatura: recria um mundo,
prenuncia uma chegada, distorce o já vivido,
contesta o tido como aceitável...
Literatura é tudo, menos realidade...(!?)
E realidade...(?!)
Tudo depende de seu criador...
Quem agora duvidaria que seríamos meros personagens
de um autor alucinado?...
Eu cá para mim tento cumprir o meu papel...
Vivemos na verdade num mundo ficcionado...
Uma verdadeira ficção...
E não sabemos mesmo muito bem
como tudo isso se acabará...
Espero que não seja como aquela antiga frase
de Churcill ou como um dos perosnagens de Kafka:
sangue, suor e lágrimas, nos equilibrando
em cima de um arriscado trapézio...
Só sei que nossa história está sendo muito bem escrita...
E ele poderá se chamar -- o seu autor -- um dia
-- Proteu -- o guardador dos quatro
segredos de Palene...

BAILE DE MÁSCARAS
Homens atropelam-me vindos dos seus bailes de máscaras
Ponho o meu sapato mocassim damasco
E caminho pelas alamedas pensando em Tessália
Halicarnasso, Éfeso e Esmirna
A menina do outro lado da calçada é minha
Cólquida perdida
Seus cabelos de cor sépia lembram-me oxidados
Astrolábios
Há muito naufrago neste mar imenso e revolto
Ó Zeus
Dá-me já as tuas argos e deixa-me partir para Bizâncio
guerra civil ou guerra entre civis
Ouço muito falar que estamos numa guerra civil. Isso se dá mais
por uma falta de análise dos conceitos. Eu, a meu modo, julgo
que vivemos uma pequena (quiçá) guerra entre civis, do que
propriamente uma guerra civil. Se eu fosse um desses filósofos,
que andam fazendo palestras por aí, eu diria que se trata mesmo
daquilo que se denomina de senso comum da nação. Antes de serem
conceitos que se cruzam e que se interligam, esses dois conceitos
são antes antípodas do que qualquer outra coisa. A saber:

# se estivéssemos numa guerra civil, os nossos cidadãos não
estariam se automutilando uns aos outros pelas ruas da pólis;

# haveria uma maior organização e conscientização dos cidadãos,
ou o que poderíamos chamar de uma iluminação da caverna platônica;

# o alvo em si não seria o concidadão, mas sim o estado;

# o estado sabe que enquanto houver guerra entre civis,
não haverá em hipótese alguma uma guerra civil;

# ou seja: a guerra entre civis torna-se um anteparo de
um estado inepto, inapto e impotente -- mas que se quer
perene no poder;

# guerra civil implica organização dos cidadãos (bonus sensus);

# guerra entre civis (comunis sensus);

# na guerra civil cai o estado;

# na guerra entre civis caem os cidadãos;

# na guerra entre civis -- interesse por bens do sistema capitalista;

# na guerra civil -- valorizam-se o cidadão, a ética e um certo tipo de moral;

# na guerra entre civis -- livre mercado e livre concorrência;

# na guerra entre civis -- controle de preços;

# na guerra civil valoriza-se o todo;


Princípio da Identificação


Julgo, a meu ver, que há um erro, quando se tenta chamar
A é A de Princípio da Identidade. Penso que seria
muito mais adequado chamá-lo, neste caso, de Princípio
da Identificação. Pois vejamos: com efeito, se chamarmos
(A)1 sujeito e (A)2 predicado, não poderemos
ter identidade, mas sim identificação de (A)2 com (A)1.
(A)2 sendo predicado de (A)1 -- portanto menos
universal que (A)1.

O tempo


Saio para dar uma volta. Passo pela padaria. Tudo fechado ou quase tudo.
A farmácia com aquela interiorana indolência. Escritores em férias. A angústia
tem dias marcados (calendários). A angústia precisa de férias. Angústia: a serviço
da alma despedaçada. Não há o que reclamar. A megalópole trabalha com um terço
de sua capacidade. Ou quase um terço. Para quê poetas? Ensaístas?
Descansam em suas belas praias. Quem iremos atacar? Poetas e escritores
que escrevem uma litetratura diferente da nossa? O mensalão que está também
em férias? Resta-nos recostados no espaldar da cadeira. Fazer novos projetos.
Agradecer a Deus o ano que passou. Nas ruas o tempo chumbo, plúmbeo
de sampa. Nas estantes os livros com suas largas lombadas. A floresta
negra de Heidegger nos visita. Estamos em férias. O tempo se dilata no
relógio. A folha seca a rolar na calçada. Os meninos brincando de mãe-da-rua.
Ruas tépidas. Silenciosas. Silêncio do tempo. Jornais com manchetes amanhecidas
e reinventadas. O tempo estanca na memória. De quê me serve Nietzsche
se não há nenhum ressentido à espera de uma farpa? O desespero de quem
se vê só. O tempo se dilata. O corpo carpe diem. Dois inimigos se afrontam:
corpo e alma. Preâmbulo de uma sonata anunciada com os seus labirintos.
Quem nos dera de novo a fissura dos tempos com os seus relógios...
Tempo que se esvai...corre...nos escapa...
Balas, molotovs, granadas, perfídias...
É assim que essa cidade pulsa, avança, destrói, se destrói, recomeça
e se reinventa...
Tempo... leitmotiv de nossas desesperanças perdidas...
O que seria de nós sem esse descompasso com o futuro,
somente esse silencioso tempo sobre as nossas cabeças desprotegidas
de inveja e maldade perniciosas?


Ao contrário de Cioran que parou de escrever por ter se cansado de caluniar o universo; eu ainda, pelo meu lado, continuarei escrevendo - enquanto o universo insistir em me caluniar.

Às vezes me sinto como quem perdeu uma batalha. Um soldado perdido que não foi á guerra. Um sujeito desamparado. Monólogo ensimesmado. Conversas fora de escala. Soldado B2 do terceiro distrito. Adstrito ao meu registro. Memorandos para mim mesmo. E no entanto sinto que a guerra ainda não me foi perdida.

John Cage: empresário. Duzentos e vinte e quatro mil dólares mensais. Freqüentador do Banana Café, nas noites de quintas a domingos. Na Wall Street brasileira,ouvimos passos apressados. Cuidado! Iminência de novos assaltos.

No princípio bem no princípio havia o silêncio de Pascal o buraco negro havia havia estrelas estelares magnificências tudo prelúdio de um nada hoje nesse princípio-precipício sentados harmoniosamente no prepúcio de um míssil ereto-eréctil-erosivo aqui nos encontramos no princípio bem no princípio havia o silêncio não esse silêncio no princípio havia o silêncio silêncio de Pascal magma da magnânima estrela.

O homem estético de Kierkegaard é o primeiro da tríade numa leitura ascendente. Para não o rebaixarmos e dizermos ser o último.

Ontem li um pequeno ensaio de Edward Said sobre os intelectuais. São 4, 5 ou 6 que compõem o livro. É da Cia das Letras. Traduzido pelo M. Hatoum. Gostei da leveza do ensaio. E concordo em gênero, número e grau no que ele diz. Estamos nos ressentindo de intelectuais desse naipe, que falam o que todos querem ouvir. Uma voz de passarinho. Li o ensaio em duas partes. A primeira foi logo após a programação da cultura que julguei boa ontem - (Um documentário sobre Barbosa Sobrinho, e lá vemos Hélio Fernandes, Montuello, Brizola e Darcy Ribeiro. Nunca li nada de Darcy Ribeiro. Tenho os seus dois livros ainda lá nas minhas estantes parados. Sei que tem gente do meio que desgosta um pouco dele. Eu só o conheci por entrevistas, e achava-o genial. Aquela coisa das mulheres, fugir do câncer para escrever um livro, as índias e esse ufanismo que de uma certa forma se faz necessário -- depois Hermínio Belo de Carvalho). A segunda foi para aplacar uma insônia lá pelas três e pouco de la matina. E não quero entrar aqui em maniqueísmos tolos. Precisamos antes ver as sínteses do que as contradições. Eu que tanto aqui falo nessa contradição do Paradoxo do Zero.


Todo homem se vende, quando não; é porque está remarcando o seu preço.


O homem sadio é racional; o homem doente é cordial; só não o é com a sua própria morte.


No hospital o homem doente vê o seu destino cavalgar sobre os outros ombros dos outros homens doentes.

O homem sadio aspira à eternidade; já o homem doente a rejeita mesmo estando junto a ela.

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Quem sou eu

Nascido na cidade de São Paulo em 15 de fevereiro de 1960. Formado em Jornalismo (UMC/1983). Professor titular do ensino médio da disciplina de filosofia. Pós-Graduado, em nível de Especialização, em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pelo Instituto de Psicologia (USP /2001). Entre os anos de 1999 a 2005, fez extensão universitária dos instrumentais de grego, latim e alemão, cursando também mestrado (sem concluir) em educação e filosofia. Autor de dois livros na literatura, do Ensaio Paradoxo do Zero (Fundação Biblioteca Nacional/2003) e do conceito filosófico O Princípio da Identidade Negativa. É verbete nos livros O Céu Aberto na Terra, Sobre Caminhantes, A vocação Nacional da UBE: 62 ANOS, Revista de arte e literatura Coyote.