quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

31/12/2008
A CIRCUNCISSUSPEIÇÃO
Ela me perguntou o que era circuncisfláutico; eu fui ao latim e tentei convencê-la de que ´cis´ era aquém, mas logo tive que explicar que ´aquém´ é quando estamos atrás de algo e que circum poderia ser e ainda no latim o que está à volta de ou em volta de algo e entrei num circunlóquio com ela: circundei, circunfluí, circungirei, circunscrevi os meus limites -- julguei-me circunscrito à minha ignorância; fiz uma pequena circunspeção, tomei um ar circunspeto e já naquelas circunstâncias -- depois de tanto circunvolar -- olhei para toda a circunvizinhança e tentei ainda uma circunvolução... e ela, triste, pretensiosa, presumida -- sorumbaticamente amaneirou-se e comigo circuncistristeceu...
DO LIVRO CONTOS DE ARRABALDE / BATENDO LATA / 2001
Há horas aguardava por aquele táxi.
O chofer de quepe vermelho, gravata Hermés e paletó puído seguia circunspecto...
No trajeto nada conversaram...
As portas do comércio estavam todas fechadas...
O trânsito estava livre...
Mas a velocidade mantinha-se a mesma: vinte quilômetros por hora...
Havia o portão frontal...
Mas Queiroz preferiu entrar pelos fundos...
Já anoitecia...
Ouvia-se ao longe o cantar dos pássaros...
Lá chegando, o chofer desceu do táxi, ajeitou o quepe, aregaçou as mangas e chorou...
Onofre fora um grande amigo...
Lembrou-se das noites maldormidas...
De Janete...
Aquela prostituta...
Das intermináveis boêmias...
Uma chuva fina respingava em seu paletó...
A meteorologia anunciava pelo rádio do táxi tempo bom para as próximas horas...
Queiroz pensou: 'TEMPOS BONS...!'
Pigarreou e fechou o ataúde...
Minutos depois as gramíneas sepulcrais vicejavam sobre os ombros de Onofre...
20/09/2005
DO LIVRO CONTOS DE ARRABALDE / MINHOCÃO - VILA PALESTINA / 2001
Há dias não tomavam banho nem faziam a barba...
As suíças encaracolavam-se e ensebavam-se...
A última refeição tinha sido há dois meses...
As moedas...
Eram as guimbas malfumadas por mais de vinte...
As maçãs do rosto sulcadas pela dor e desespero...
Alguns com o rosto glabro e com as órbitas espantadas...
Cavoucavam bastante...
Varavam a madrugada cavoucando aquela terra árida e farpada...
A sede era incontrolável...
Não havia espelhos...
Os espelhos eram os próprios companheiros que cavoucavam também...
Pensavam que contruiriam uma obra monumental...
Uma grande obra...
Por isso cavoucavam desesperadamente...
A fila era enorme para o banho...
Havia mais de quatro quilômetros de fila...
Todos na fila esperando numa azáfama com os sabonetes nas mãos...
O provérbio diz que o tempo cura todos os males...
Mas está difícil para Isac esquecer daquele banho...
SÍSIFO - 0 CENTROAVANTE
A bola ali pingando na sua frente...
A linha tênue que separa o gol e o não-gol...
A bola ali pingando...
Os locutores esbaforidos...
A torcida atônita com o grito engasgado na garganta...
Era só resvalar...
Um simples toque com o bico da chuteira...
Não havia mais beques nem center-half...
A bola ali nua...
Uma esfera lúdica, pudica e derrotada...
Uma esfera à merce das redes...
Era só um resvalar com a chuteira...
Não precisava ser Garrincha nem Vavá...
Um simples Dadá, talvez...
Até mesmo um varzeano do Onze Tibiriçá...
Ou mesmo Dindinho...
Lá estava ela sucumbida, tímida, com a sua tez branca...
Os holofotes nela...
As câmeras todas voltadas para ela...
A rede a sua mais nova nubente...
Uma rede libidinosa...
Uma rede no cio...
Uma rede grávida...
Um simples toque...
A camisa nove pesava-lhe nas costas...
Naquela fração de segundos entre a rede e a bola, Sísifo resolveu caminhar sem as chuteiras que sempre calçara...
Sísifo desamarrou os cadarços, dependurou as chuteiras sobre os ombros e caminhou...
Não era mais a esfera que carregava consigo...
Cansava de ser Atlas...
A bola ali pingando...
Os locutores esbaforidos...
A torcida atônita...
Finalmente, Sísifo pendurara as chuteiras...
DO LIVRO CONTOS DE ARRABALDE / 2001 - COM PEQUENAS ALTERAÇÕES.
TODOS OS DIREITOS DESSE BLOG E DO LIVRO PARA O AUTOR.
Ouviu um barulho...
Apurou a audição para distinguir o ruído...
O barulho que se tinha reverberado pelo seu sótão, dissipara-se...
Ficou aguardando por mais alguns minutos outros ruídos...
O silêncio habitara de tal forma aquele lugar, que já não tinha mais esperança...
O silêncio era ensurdecedor...
Tal mutismo a incomodava...
O sótão estava emudecido há quatrocentos e trinta e sete anos...
Era insuportável para ela não ouvir nem sequer uma nota musical...
Nem um gorjeio dos pássaros...
E ela que um dia queria tanto o silêncio...
Agora queria ouvir os ruídos dos automóveis, das motos, do concorde, dos motores, dos caminhões, do vizinho que almadiçoara...
No cativeiro, estava condenada a ouvir o próprio grito, que desafinava em ruídos de lamento...
# Publicado em 2001.
a resposta / 2001
Três toques na porta...
Ele não atendeu...
Ficou lívido e calado...
Mais três toques na porta...
Hesitou diante da maçaneta e procurou perscrutar o além da porta...
Tremia dos pés à cabeça...
Por duas horas e quarenta e cinco minutos ficou sob alerta...
Em pé...estático...não desviava um segundo a sua atenção...
Num átimo... tentou revidar os três toques...
Fechou os punhos e bateu três vezes...
Do outro lado...
Não obteve resposta...
Ficou aguardando por mais duas horas...
Imóvel e temeroso, aguardava uma resposta...
Resolveu bater novamente na porta...
Agora não eram os três toques...
Começou a esmurrar a porta...
Bateu dez...
Vinte...
Trinta vezes...
Suas mãos sangravam caudalosamente...
Começou a gritar também...
Dentro do quarto, movia-se de lá para cá como um desesperado...
Procurou ligar para um alienista, mas o telefone não estava no quarto...
Batia desesperadamente na porta...
Mas do outro lado não havia respostas...
Ele que sempre teve respostas para tudo...
FACTÓIDE / 2001
chegando em casa tratou logo
de tirar a prótese dentária...
a lente de contato
deixou imersa num copo azul com água boricada...
a peruca castanha
ajeitou-a no cabide do guarda-roupa...
o aparelho telex colocou
na gaveta da escrivaninha...
o braço direito desenroscou
com o esquerdo...
a perna direita
desenroscou da mesma forma...
a prótese peniana
mergulhou num gel especial...
sua cabeça continuava ali com pensamentos nefastos...
tentava dissuadir-se...
olhava-se no espelho...
no outro dia estaria com elisandra
para no parque correr com ela...
seria o segundo dia do encontro...
amava elisandra...
no quarto apoiando-se no espaldar da cadeira...
as lágrimas que lhe caíam
ainda eram
verdadeiramente suas...
07/12/2005
diálogos impertinentes

- Amorzinho, veja o meu corpo...
-
- Estou freqüentando a academia desde janeiro...
-
- Amorzinho, você acha que eu tenho celulite?

- Sim, meu amorzinho... meu xuxuzinho...
Você tem celulite na alma...
09/12/2005

o anarquista

Sentou-se na cadeira e começou a observar:
- ah, olha os músculos dele...
- uih, que pernas musculosas...
- nossa, com esse eu passaria
um mês em itaparica...
- menina, olha que tesão de homem...
- aquele é must...
Solicitou um estanhegue ao garçom
e logo saiu de fininho...
Na mochila carregava poemas de dylan thomas,
versos de sylvia plath e a esperança de encontrar
uma luxemburgo no meio do seu caminho...
a migrante

Boa tarde,
Eu vim de Curumaiama e tenho seis filhos para criar...
Se vocês puderem me dar uma juda...uma simples ajuda...
uma moeda...um passe...um litro de leite...um trocado...
uma fralda...um sapato...um xale...um carrinho de bebê...
um lanche...um almoço...um café...uma saia...uma calça...
uma mamadeira...uma casa... um quartinho......um marido...
um pouco de carinho...uma fraternidade...um beijo...um abraço...
um aperto de mão...um bom dia...um passe bem...um afago...um xamego...
um livro...uma solidariedade...uma compreensão...uma escola...um emprego...
uma lata de leite...um suicídio...uma bala na minha cabeça...
Muito obrigado...
Deus lhes ajude e fiquem com Deus...
12/12/2005
o guarda lhe solicitou as credenciais...
ele apresentou ao guarda
o seu pequeno breviário...
mas o guarda queria saber mais...
se trabalhava...
se tinha carteira assinada...
essas coisas assim...
contador...
investigador...
delegado...
fiscal de renda...
fiscal do erário público...
mas ele não ligou e preferia
ser chamado mesmo de poeta...
o pequeno digitador das coisas inúteis...

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

oún gár
O bom era homem era moço kaí ego su légo
bom kalós moço didaskalós moço ou seria
o contrário o contrário o homem era bom
transliterando transliterado muda moço
moço muda é linguagem moço esse negócio
de semântica muda tudo moço muda que muda
que eu sei cê não sabe ora que sei que muda
que muda muda muda que eu sei que é linguagem
e tu sabe lá o que seja linguagem lá com nóis é
mais analítico quer ordem sintaxe tem que tá tudo
arrumadinho tá bom então mas o bom era homem
na sintética lugar não tem varia não muda pois falemo
nun gár pois sócrates é homem e pronto aí é nexo não é
sintético nem analítico muito menos universal falta todo
e eu não falei que muda muda é evidente que muda o problema
é semântico moço quando nóis vai resolver essa coisa de
semântico desse jeito o mundo vive mudando mas que muda
muda tá bom então oún o bom era homem aí é sintético eu
falei cê não quer gerrear causar pólemos vai vai eu fico
com analítico mas que muda muda nem vem que não tem
mas que muda muda moço muda muda...
12/01/2006 12:15

O BEBEDOR DE CONHAQUE
‘tem um aí’...? fez o gesto com o fura-bolo e o médio,
mas logo entendi que era um arizona.
‘obrigado, cição...!’
– assim ele me chamava,
maneira intimista e majestosa de chamar o sobrinho...
subiu a rua e foi lá no gérsão...
ficava quieto...
a 51 era a sua euforia e a sua alforria...
de todos debicava um pouco...
mas não era insolente...
tinha a segurança de todos...
às vezes era cobrador da clientela...
chegou a servir doses massivas de conhaque
e old eight envelhecidos em tonéis não tão...
dizem que chegou a servir cynar ou coisa parecida
a uma cantora famosa no palace...
mas foi despedido no mesmo dia,
porque quase que consumiu todo o estoque de cerveja...
detestava fofoca ou falar da vida alheia...
às vezes bebia em excesso também...
chegou a ser chacota dos amigos...
foi massagista improvisado do time de futebol de salão
do pardal, que não ganhava de ninguém
e que tinha um zagueiro perpétuo,
logicamente, o dono do time, senhor pardal,
excelente torneiro mecânico da redondeza,
que pensava ser luizinho...
antes de esparzir éter nas canelas fissuradas dos ‘atletas’,
envolvia-o num algodão improvisado
e metia-lhe nas duas narinas sacrílegas...
foi gerente de bar, sem registro em carteira,
boy e estudou em colégio de moços bem comportados,
mas logo foi expulso...
foi também assistente de rufião
e amado por algumas mulheres
não tão solteiras assim, assim, por assim dizer...
bebeu quase a metade da brahma
e quase a outra metade da antarctica,
sem falar no estoque de fernet de 1962...
numa noite, só, engoliu três litros e meio de conhaque...
chamavam-lhe de vagabundo, engrupidor,
homem improdutivo, um nada na vida...sampa/04/02/2005
O AMOR PERENE DE ANTONIA
Chegando em casa, cumprimentou todos
os familiares de modo frenético.
todos ficaram estupefatos
com a incomum delicadeza
que o companhava naquela quase madrugada.
no quarto,
dela não tirava
o pensamento.
agora sim acreditava no amor.
jamais sonhou em
encontrar antonia:
altiva, serena, olhares retilíneose curvas discretas.
nos seus lábios,
os lábios carnudos de antonia.
há vinteanos dorme
com antonia,
seu primeiro e único amor.
Monday, August 07, 2006

o seqüestrado
Foi seqüestrado por engano. No mesmo dia ligaram para os familiares e pediram o resgate. Pediram no primeiro lancedois milhões de dólares. Mas não aceitaram. Depois de amordaçarem a sua boca e deceparem o lóbulo de sua orelha direira, encaminharam um telegrama, pedindo dessa vez quinhentos mil dólares. Dois meses depois do silêncio tentaram uma nova investida: agora aceitariam trezentos mil dólares...Como prova do seqüestro enviariam pelo correio o indicador, o braço direito e fragmentos do olho esquerdo. Há três dias lhes deram a última chance...Quaisquer míseros dois dólares resolveriam...No cativeiro, Alfredo encontra-se dividido pelas duas famílias, e não vê a hora de recompor-se por inteiro...
#sem revisão final.
14/08/2007
Tuesday, October 03, 2006

Comecei a garatujar no papel. Todos aqueles signos eu conhecia. Eu entendia muito bem o que aquilo queria dizer. Estava tudo muito claro e evidente. Os traços firmes e resolutos. Ali eu denotava todo o meu conhecimento, toda a minha sapiência estentórea. Convencia-me de que aquela era a melhor maneira de encaminhartodo aquele aparatoso conteúdo. As palavras iam saindo enfileiradas, de modo que toda a sintaxe perfilava-se em sua hierárquica composição. Os verbos sotopostos ou emparelhados em forma de sanduíche entre dois substantivos inócuos. O vocativo clamava em desespero na sua solidão. Os objetos diretos e indiretos comportavam-se como dois ajuizados guris. O papel já estava repleto de signos que só eu entendia. Não precisava ninguém entender tudo aquilo. Ao cabo de vinte linhas, resolvi não mais garatujar, quebrei o cálamo em mil pedaços, o papel picotei-o com minha desprezível adaga. Num ato de total desequilíbrio mental, atirei pela janela o meu velho e amigo cálamo, depois joguei aqueles papeizinhos pela janela e fiz uma chuva de confetes. A chuva de confetes misturava-se à chuva fina que caía sobre os pedestres que passavam. Todos começaram a endereçar os seu olhos para mim. Eu, no décimo segundo andar de meu prédio, homiziava-me atrás das estantes. Aí comecei a atirar também os meus livros pela janela. Os opúsculos e enciclopédias espatifavam-se sobre as cabeças dos transeuntes, que irascíveis achincalhavam-me. Esta foi a melhor forma que encontrei. Lá do alto do meu prédio, eu ria. Eu entendia muito bem o que aquilo queria dizer, e os livros iam saindo pela janela todos enfileirados.
DEDICO AO MEU QUERIDO TIO ARMANDO, CORINTIANO FERRENHO.
A menina com a fita no cabelo
Armando ia comprar pipoca com seu Zildo. Conversavam sobre o majestoso das quatro da tarde. Seu Zildo era são-paulino, apesar de ter nascido em Minas. Armando era corintiano ferrenho, e acreditava na vingança alvi-negra. Mas não desconsiderava o chute potente de Pedro Virgílio Rocha. Armando orgulhava-se da brasilidade de seu time. Nem técnico aceitava como estrangeiro. "Corinthians é raça" - diziam ... 'Raça negra...' 'Amarela...' 'Portenha...' 'Árabe...' Italiana também...? - Também... - Por que não...? Armando comprava, com seu parco dinheiro, amendoins torrados, que seus sobrinhos adoravam. E ainda empinava pipas e arraias... Uma lâmina afiada escondia-se no rabo da barraca vermelha. Era empinada com cordonê no estirante. Um de seus sobrinhos, quase que era levado pelo vento, quando se distraía. O mato comia as valetas... as borboletas esvoaçavam pelo quintal... Libélulas nos entretinham com seu vôo assoberbado... Eu... olhava as donas de casa fraseando o domingo... A casa ainda apresentava-se incólume ao tempo... Naqueles domingos, sequer o meu sonho era soterrado... E eu ainda amava a menina com a fita no cabelo... wilson luques costa sp.02.11.2001

Escolinha
As balas vararam o crânio e fincaram na porta. Foram várias automáticas com silenciosos nos canos. Quase que pegaram uma mulher que passeava do outro lado da calçada. Os cartuchos foram todos descarregados. Os detonadores estiveram indefectíveis. Num só minuto, mais de cinquenta balas. Gritava como porco. Lembrei do tempo do meu avô. Ele criava porcos para engorda. Os porcos esganiçavam na cruenta tarefa do chouriceiro. Ele gritou como porco. Foi pego de chofre. Há muito que estávamos no seu encalço. Era um bandidão de primeira. Uma mosca azul. Uma figura carimbada. Um picolé sorteado. A equipe toda esteve de parabéns. Dizem que foi o Jorge Fura Bolo com aquela esquerdinha. Mas eu acho que foi o Pedrão Gatilho Certeiro. Todos reivindicavam a autoria. Mas o importante de tudo é que foi um trabalho de equipe. Eu acho que todos estão de parabéns. Você está me entendendo? Trabalho de equipe é muito mais importante. O Jatobá que quis fazer sempre tudo sozinho, se deu mal. Eu não... eu gosto mesmo é de trabahar em equipe. Pelo menos toda noite eu durmo tranquilo.Eu prefiro com silencioso. Eu detesto barulho. Você está me entendendo, garoto? Vamos tomar mais uma cerveja! Eu quero ver se você é mesmo dos nossos, meu chapa!
29/10/2007

Enquanto os homens
aqui nos céus
vão brigando por deus
O diabo
lá embaixo
vai tomando conta
da terra
Cárcere privado
Não suporta mais o calabouço. Vive numa verdadeira masmorra. Encontra-se em total ostracismo desde 1963. Ele jamais esquece a data exata nem o horário. Era uma segunda-feira chuvosa. A luz faltara naquele dia. Foi o pior dia de sua vida. Nem se recorda direito. Contam-lhe que só havia cinco testemunhas. Mas ele nem quer que lhe lembrem. Ele tenta desesperadamente olvidar este fato. Que para ele foi uma verdadeira tragédia. Anda de lá pra cá como um desesperado. Já tentou todas as formas de fuga. É um cárcere de segurança máxima. Muitos de seus companheiros tentaram fugir e não conseguiram. Outros tentaram também, mas se viram malograr nos seus intentos. Mas ele tenta todo dia uma forma (uma artimanha). As janelas são bem seguras. Não há subterrâneos no local. Muito
menos visistas especiais. É o cárcere mais seguro do planeta.
Em vão ele tenta fugir. Todo dia ele tenta e todo dia ele recomeça.
Já pensou em estourar os miolos, mas logo se distrai indo
ao trabalho, assistindo ao futebol, bebendo com os amigos,
paquerando a vizinha, jogando um bilhar, fumando um strike,
lendo os jornais, convidando os amigos, jogando a biriba...
O IDIOTA DA FAMÍLIA
Quando recebi o e-mail, não acreditei. Aquela sigla não me parecia algo familiar: PEANCS. Esforcei-me para compreender o seu significado. Eu que sou dado aos estudos dos significados/significantes. Mas logo abaixo vinha: PRIMEIRO ENCONTRO ANUAL DA N.C.S. Alguns nomes eu reconhecia evidentemente. Jorge Mariano houvera sido almoxarife. Fillegotti trabalhado comigo no arquivo de clientes especiais. Luizão era o que organizava as nossas esbórnias na sete de abril. Henrique o que pendurava a cerveja no Costa do Sol, enquanto esperávamos para ir dançar gafieira no Paulistano da Glória ou no Som de Cristal. Haveria pizza e malte. Será que a Sabrina ainda estaria gostosa? E a Cidinha? Porra! Salve deus onã! Porra! Vou mesmo nessa! Eu não tinha os dez contos para a consumação mínima... Mas o chopp viria de graça... Se a Cidinha desse sopa, dessa vez, iríamos parar lá no Cartola... Depois... Depois não sei... O futuro a deus pertence... Eu, um inveterado ateu... Agora... depositava todas as minhas fichas na Cidinha... Arrumei as dez pratas de chinelo... Guardei bem escondidinha entre a e ...... Há dias que eu vinha usando uma alpercata para aliviar as dores de um calo inopinado... Mas... Meti também um jeans, uma camiseta índigo e um blaser do brechó da Isaura. Desci a rua azafamado... Por lá chegando, escondi-me atrás de uma pilastra. Observei... Por detrás da mureta, que me servia como anteparo à minha timidez... Um Meriva estacionando... Logo em seguida... Um Airtrek 4x4 16v5p. Fiquei por lá mais um pouco... Agora era um Boxter Tiptronic (2.7)(conversível)... Resolvi chegar... À porta, o meu velho companheiro de tia Olga... Mestre Ivan, que chamávamos de mestre Ivaninov. Cumprimentou-me e disse-me para adentrar. Meio estorvado e meio ressabiado entrei. O velho punk... Ostentando um terno indefectível... Perguntava-me dos negócios... Se havia atingido a meta naquele ano... Perguntava-me em qual multinacional eu me encontrava... Em vão, tentava explicar-lhe que não se tratava daquilo e que... Mas inconseqüentemente apresentava-me à nova turma... Dizia-me de Alberto... Hoje superintendente de uma estatal... O mais jovem conselheiro do clube... De Chinaglia... Afoito, comigo, eu repetia a primeira, a segunda e a terceira declinações... Do latim todas as cinco.. mais os pronomes... Tentava entender o significado ontológico da palavra ousia... Da derivação dos tempos... Compreender o infectum e o aoristo... Estabelecer a derradeira compreensão de um supino, enquanto mastigava a pizza do outro lado, a fim de proteger um molar cariado. A cada garfada esfaimada na Margherita, eu refazia as minhas reconsiderações: Todos os meus amigos... Bastantes... Haviam mudado... Eu... Ali... Continuava o mesmo... Sendo o mais risível... Ainda... Dos idiotas da família...

Wilson Luques Costa São Paulo/03/07/2004
El burlador barato
Sempre fui um bom moço. Trabalhador. Culto. Estudioso. Mas não adiantou. Nos bailes era sempre preterido pelo menino mais bonito da rua. Nas festinhas de aniversário nem nas fotos eu saía. Estava sempre encostado na parede e sozinho. Nem nos cadernos de recordação constava o meu nome. Nem mesmo num ato de pura compaixão. Os meninos todos do meu bairro zombavam de mim. Mais tarde, resolvi mudar a minha tática. Virei de repente o garanhão da turma. O meu falo por uma dessas sortes da natureza começou a enrijecer. O diâmetro alargou-se de modo considerável. Mas eu não notava. Também virei uma espécie de canalha. E eu com aquele meu jeito esquizóide parecia gato em teto de zinco quente. Virei bolinha de mercúrio nas mãos de minhas mulheres. Virei Don Juan de la Mancha, Valentino, Casanova... Algumas diziam-me da sua espessura, do raio, diâmetro e da minha ternura... Não sei... Não entendo de .... Só sei que de uma hora para a outra começaram a me chamar de canalha, covarde... Hoje até me pedem para escrever nos seus cadernos de recordação mais íntimos... E eu, como um pífio Casanova, escrevo: Don Juan de La Mancha - lo incrible conquistador de las mujeres desesperadas... Canalha, vingativo, covarde...
No domingo pela manhã, Cezário pescou, caçou alguns pardais e comprou três quilos de alcatra. À noite, já extenuado, leu os obituários e chorou.
O EREMITA
Caminhava sobre a areia movediça. Os seus pés titubeavam sobre aquele calcário derretido pelas pegadas do Deus infortúnio. Uma luz ofusca lhes dirigia os claudicantes pés. O passado lhe recurvava as costas, mas mesmo assim caminhava. Extenuado, caminhava sem direção.
AS ESMERALDAS
Ele não sabia que era atávico. Anos mais tarde relataram-lhe com detalhes. Seu pai não se surpreendeu. Pensou que tivesse puxado o avô. Sôfrego e com receio de perdê-las, resolveu guardá-las no melhor escrínio, que logo se perdeu. Quando lhe perguntam de tais esmeraldas, responde que foram duas pedras preciosas: resquícios de um amor perdido.
BARLAMENTO

No bar conversavam banalidades
o gol de Oséias
a novela das oito
a demissão de Edgard
a gota na perna
a mulher de Nestor
o salário atrasado
a morte do amigo
ULISSES - O FAQUIR
Fumou vinte e cinco bitucas de monterey
Bebeu trinta e duas leão-do-norte
Com Jussara tomou apenas um campari
De João Cafetão setenta e duas estocadas.
Ilha de Caras
Na cabina botões verdes e alaranjados.
Nos vagões homens conversam sobre futebol, mulheres peladas e hora-extra compensada.
Sonhando com a Ilha paradisíaca de Caras, meninas seminuas embalam bebês semicibernéticos...
Quando lhe anunciaram que viriam os hussardos.
Ele imediatamente correu e trancafiou todas as suas portas e janelas e disse para si mesmo: que venham agora os hussardos!
Que sorte a dele: só mais um estrangeirismo a esganiçar dentro da sua poesia.
o matador de fantasmas

Sacou do revólver e deu o primeiro tiro, mas não acertou. Revirou o tambor e o almejou com um segundo certeiro, que quase o flagrou. Nem a roleta-russa adiantava; adiantou. De uma sinapse a outra seus fantasmas forjavam casulos, forjavam ninhos.
O METAFÍSICO
Foi no sinaleiro de pedestres que lhe surgiu aquela dúvida metafísica. Como harmonizar aquele paradoxo? Ele que tinha abdicado de toda luminosidade... Agora se encontrava naquele paradoxo. Não sabia muito bem distinguir a luz das trevas. Ambas em excesso seriam perniciosas - diziam. Mas a escuridão absoluta, para ele, não tinha muita justificativa. Vivemos no mundo para brilhar – pensava, contrapondo esse discurso aos arautos da escuridão. Mas lembrou-se da frase de Goethe... Parado no canteiro que separava a rua, da artéria principal da cidade, não percebera que havia ocasionado um congestionamento inexplicável. Os motoristas enfurecidos vociferavam: chamavam-no de imbecil, idiota, louco, desgraçado... A cidade agonizava naquele trânsito caótico. Com a chegada da polícia, foi logo devidamente detido e algemado. Na delegacia, ao escrivão, ele tentava explicar a dúvida sistemática dos paradoxos narcísicos. Boquiabertos, imprecisos, todos procuravam entender a sua explicitação.
08/02/2008
O MONSTRO
Deambulava de cá pra lá. Era tido como um perfuga. Amicus, non. Incolae lhe procuravam. Nam, parecia um monstro. As leges não lhe protegiam, porquanto não legiferava na civitas. Escondia-se saepe nas montes. Depressus, maria marium. Mas não ousava. Incolae lhe procuravam, quod etiam as leges não lhe protegiam.
JACK
Puellae bonae. Sed falta pecunia. Quando as vejo illustro o lupus que há em mim. Não tenho parcimonia. Ich bin discipulus de Jack o expugnador. Sou dominus feminae. Je m´appelle filius noctis.
Friday, November 17, 2006


James Willians dirige a sua renault em plena Faria Lima.Sinaleiro fechado. Ao celular troca de carinhos com a amante-secretária.Três aposentados discutem a pensão de agosto.D.Hermegilda serve o chá das cinco.Ezequiel, o chefe inescrupuloso, dá bronca em Josimar, o boy corintiano.Margarida, a secretária, recebe flores compradas com tíquetes de Afonso, o subchefe do almoxarifado.Um roqueiro cabeludo vê fotos de madonna pelada na Interview.Rosinha beija Agenor na boca atrás do armário.Sansão da Silva que não é secretário, almoxarife, comprador, boy nem motorista atropela o metrô das cinco.Em algum lugar, Dalila chorará o amante perdido.
O CEROL DE SAMEUA / 2001 / CONTOS DE ARRABALDE /

'Vocês podem tirar tudo de um homem, mas jamais tentem lhe tirar as suas próprias raízes'

Para o professor de física e cinéfilo Daniel

Lembro-me vagamente de seu nome: Sameua...
A linha era corrente vinte e quatro...
Comprávamos no bazar da Maria Japonesa...
Às vezes, conseguíamos emendar uma linha vinte e quatro com linha dez...
Não havia preconceito...
João ascendia de alemães e italianos...
Eliseu de possíveis judeus...
Carlinhos era um tipo cafuzo...
Sinval um perfeito sarará...
Eu...
Brasileiros com espanhóis...
Minha pipa era pênsil...
Mas hesitava muitas vezes diante da bola pelé...
Fazia algumas embaixadas, enquanto não soprava o vento do norte...
A rabiola era multicolorida....
Sonhávamos, contemplando o céu salpicado de estrelas de papel...
Lembro-me vagamente de seu nome...
Sameua...
Sua pipa era azul e vermelha com uma faixa branca no lado esquerdo...
Seu cerol era lancinante...
Feito de vidros moídos com cola de madeira...
Quando ele vinha, nossas pipas flutuavam desatinadas...
Atônitos, ouvíamos falar de seu nome...
Sameua...
Ainda me recordo de seu nome...
Seu cerol cortou os nossos corações...
E o céu salpicado de estrelas pra sempre nublou...
# Texto republicado nesse blog com pequenas alterações.
ex: havia colocado no livro: "pipa no masculino" - porque na vila ré sempre falamos (nossos pipas)...(meus pipas)...de modo que grafados estão no masc. e fem. agora.
Pensou: tenho ensino superior, mas falta fazer uma pós. Fez a pós. Depois, pensou de novo consigo: e se eu fizer um mestrado? Depois de dois anos: defendeu tese com louvor. Não contente, foi fazer doutorado na Alemanha. Está numa cela especial. E já estuda para fazer o seu PhD em Oxford. Sempre acreditou que estudar lhe traria benesses
TESTEMUNHA DA CONTENDA ESPANHOLA
Foi lá pelos anos de 1970. O Brasil havia derrotado os peruanos, se não lhe falha a memória (3x2). Um gol de Riva (a patada atômica) - com certeza. Era um domingo ensolarado. Jogo terminado. De repente, um alvoroço. Um balão com uma certa dimensão cai. Os mais afoitos engalfinham-se e rasgam o balão com suas sedas finas. Um f.d.p ouve-se numa direção. O que sofre a injúria retruca por pura inocência (um idiota - personagem de dostoiévski) - a briga se alastra. Tijolos nas têmporas, narizes e dentes...Sangue... A terra vermelha amortece um machado afiado... Dizem as más línguas que espanhóis são arrogantes, briguentos, arruaceiros, rabugentos... Do embate das duas famílias - na dança flamenca - perdeu a de Madri - de maior número -- ao pai lhe apelidavam de ´porra maldita´: uma cortesã e oito bandidos - todos saídos daquele saco espanhol. A outra - já de menor número e melhor estirpe - venceu - (dizem que de Córdoba - província advinda dos Mouros). Moral da história: nem sempre quantidade foi sinal de agathogenia.
03/08/2008
A GUARDA COMPARTILHADA
- Oi, filhão... Papai tá bem... E o filhão... Papai dentro de quinze dias passa aí sim, filhão...Mamãe quer falar comigo? Tá bom, filhão...Papai ama você, filhão...-Sim, eu estou aqui na livraria... Comprei aquela revista que você gosta... Vou deixar em cima da cama... Fala de uns assuntos legais...Daqueles que vêm nos interessando ultimamente... Não...não... Não é guarda compartilhada... Não são esses modismos... É... eu entendo...entendo...mas é um outro tipo... Não... não é desse tipo que você está pensando... Olha...você pensa do jeito que você quiser... Eu entendo... mas não é isso que eu estou dizendo... Porra...parece que não me entende... Eu quero que a sua amiga se foda... Que se foda você também...você não está entendendo nada do que estou falando... Eu já falei para você...Porra, será que eu vou ter que dar um berro daqui... Você é uma...é você...você sua vaca...é...então...me espera para você ver...sua vagabunda.... Pim!!! Pim!!! Pim!!! Pim!!!!!!!
ULTRAPASSANDO O ODÔMETRO
Foi quando acelerei de vez e disse para mim mesmo: “agora eu vou atrás, agora ela me paga”. E quanto mais eu acelerava, menos translúcida ficava a sua direção. Mas na minha obsessão canibalesca eu a perseguia. Eu percebia que ela tentava se esquivar de todas as maneiras. Rente à curva, ela derrapou e quase que soçobrou na frente de um obelisco. E eu acelerava como um louco. Sim, eu estava ensandecido. Eu espumava pelos cantos da boca. Tive uma taquicardia e logo após uma bradicardia que me deixaram em cera. Pus um chiclete na boca e comecei a mastigar como um demente. Eu estava transtornado. E quanto mais eu acelerava, mais eu enlouquecia. O odômetro indicava cento e sessenta e eu achava pouco, muito pouco. Eu acelerava, mas a distância aumentava. Eu corria como um pateta. Pensei em ir a pé. Resolvi gritar. Gritava o seu nome em vão. Desci e segui na estrada a pé. Pus um outro chiclete na boca e comecei a mastigar como um demente. E quanto mais eu andava, mais eu enlouquecia. Eu espumava pelos cantos da boca. Foi quando eu disse para mim mesmo: “ agora ela me paga...agora ela me paga”, mas a sua direção ficava cada vez menos translúcida. Ao longe uma placa indicava: ´Cuidado na derrapagem: loucura...!
04/09/2008 27/07/2007 19:30
X 9 e o que eu tô fazendo aqui

O que eu tô fazendo aqui? Sabe que eu não sei... Lá vem o professor de filosofia... O cara vem falá essas coisa pra gente... Mas o cara é um puta de um durango-kid... E eu sei... O cara fala pra gente estudá... E eu sei que é paia... Vê o cara... O cara só tá o fiasco... O cara fala pra num fumá baseado... Mas será que ele num dá um dois... Eu sei... O cara gosta da gente... Diz que gosta... Não sei... Também não sei... Cê sabe que eu sou desconfiado... Mas o cara parece que gosta... Porra... Mas o que eu tô fazendo aqui... Futuro melhor!... Mas eu nem sei o que é futuro... O futuro a Deus pertence... Como diz lá o x 9: ‘Morre um, nasce outro...’ Eu quero ser x 9... Quero segurá a bereta e enfiá na cara daquele safado... Eu não vou ter dó não, mano... Futuro melhor... Aqui é a lei dos maluco, mano... Guerra é guerra, mano... Futuro melhor o cacete... Vê o cara... Professor de filosofia... Eu quero que ele se foda... Esse professor de filosofia... O cara nem me dá um chocolate... Toda hora tá duro.. Esse professor de filosofia... Então...então... Estudá pra quê então... Vê, mano... Vê esse professor de filosofia... Olha pra cara do cara, mano... Vixi... Tá louco... Eu tô saindo, meu chapa... Bye, bye, mano... E aí, brother... Tá vendo... To até falando inglês, meu chapa... E esse professor de filosofia... Fala porra nenhuma... Cê viu o carro do cara, mano... O carro do cara toda hora acaba a gasolina... Professor de filosofia... Vi o cara ontem... O cara desesperado no posto... O professor de filosofia... O cara é durango memo, mano... O cara num tem nem pra comprá um papelote... O professor de filosofia... Lá pelo menos eu tenho os meu papelote certero... Lá eu sou x 9... Lá não tem essa de autorização pra migué, não... Lá se não autorizá eu sou x 9... Meto bala e pronto... Aqui é mó embaraço... Tem que entrá na fila e o caralho... Maior loque esse professor de filosofia... E aí... Será que esse professor de filosofia segura uma bagana... Óia a cara de maluco do cara, mano...igh... Vixi, o cara é chapado... Vê o cara, mano... O cara pirou a serra... O cara desfuncionô o neurônio... Vi o cara ontem... O cara desesperado no posto... Eu quero que ele se foda... Esse professor de filosofia... O cara nem me dá um chocolate... Toda hora tá duro... Então...então... Estudá pra que então... O cara vem falá essas coisa pra gente... Maior loque... E aí... Vixi... O cara é chapado... Vê o cara, mano... O cara desfuncionô o neurônio... Vê, mano, esse professor de filosofia... Eu tô saindo, meu chapa... Bye...bye...mano.. Tá vendo, brother... Tô até falando inglês... Cê sabe que eu sou desconfiado... Mas será que ele não dá um dois... Lá não tem essa de autorização pra migué, não... Lá eu sou x 9, meu chapa... Eu sei, meu chapa... O cara fala pra gente estudá... Mas vê o cara... O cara tá no maior embaraço... Filosofia o caralho... O meu bagulho é ser x 9... E aí, mano... E aí... E nóis... O que nóis tá fazendo aqui... Aqui os cara vai desfuncioná os nosso neurônio... Bye, bye, brother... Hasta la vista, meu chapa... Filosofia o caralho, meu chapa... O meu bagulho é ser x 9...entendeu, meu chapa...?
05/09/2008
O MENSAGEIRO

Foi o seu primeiro dia de emprego. Sentia-se um lorde. Na entrevista de araque, disse ao patrão que conhecia palmo a palmo a cidade. Foi contratado de imediato como mensageiro. Não foi muito de rasgar cartas nem muito se envolveu com jogos eletrônicos. Quando muito, caminhava seis ou sete quilômetros para conseguir um “carlton light mentolado” tipo “king size”. Fumava em média de dez a vinte cigarros por dia . Nas sextas-feiras, exagerava um pouco. Ele tinha estilo: não gostava de fósforos; gostava de isqueiros mais estilizados ; gostava também de um sobretudo espanhol de seu avô. Às vezes, parava num café e lia trechos de Sartre ou Camus. Nas ruas, andava com um livro marroquim e saía palreando uma língua adâmica, mistura de tupi com não sei o quê. Os tolos lhe chamavam de louco, mas gostava mesmo que lhe chamassem de poeta, o eterno mensageiro.


wilson luques costa
spaulo.04.11.2001
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15/09/2008
O SARAU
Era um sarau. ´Ele era um maníaco: estuprou a velha oitentona de protuberantes varizes. A velha era gorda, feia, espalhafatosa, cheirava a urina, traía o marido. O marido, ele, amasiado há anos com a melhor amiga de sua esposa -- a amante, uma pérfida senhora inescrupulosa, saía às terças com o feirante da banca de laranja, além dela, havia uma outra, prostituta do número 356 que há tempos traía o outro, seu dileto marido, também, mais um corno juramentado da rua...´ E o grande escritor lia para as paredes vazias, as pessoas, à francesa, retirando-se, e o salão ficando vazio e o soco na cara, no estômago, daquela gentalha -- a pudicícia curvando-se ao valor da verdade; e o escritor continuava, soco na cara daqueles imbecis, lendo para as paredes e as paredes tinham ouvido e a vizinhança tinha ouvido e no outro dia toda a cidade já sabia... o conto não era conto, era relidade...era um contista fajuta de primeira categoria aquele... nem inventar ele sabia...era sim o dedo-duro das mais altas das falsas consciências...
23/10/2008
O VINGANÇA DO VELHO VETUSTO
Ela era, por assim dizer, bela. Ele era, por assim dizer, velho para ela. Ela era, por assim dizer, uma esposa infiel para ele. Ele era, por assim dizer, tolerante. Muito além da sua tolerância. Ela tinha, por assim dizer, vinte e três anos. Ele tinha, por assim dizer, seus cinquenta e oito ou cinquenta e nove. Ela o traiu até os seus vinte oito anos. Dois meses antes de lhe surgir a primeira celulite, o primeiro foco de casca de laranja, a primeira verruga no nariz adunco, o primeiro pneu tala larga recauchutado. Ele era, por assim dizer, um sessentão de não se jogar fora. Ele tinha agora a sua nova menina: com uns vinte e três ou quase vinte e quatro anos. Um filme rebobinado passava pela sua cabeça. O mundo era mesmo para ele um eterno retorno. Era ele um velho que se reciclava a cada dia, apesar das intempéries.
Era o terceiro dia de entrevista; na segunda-feira fez psicotécnicos e exames de matemática; na terça fez testes orais e mais uma bateria de exames. Estava extenuado. Fazia três anos que dependia daquela migalha que Sonia lhe dava. Na noite anterior, teve um sono gostoso; sonhou a noite inteira com aquela sala mobiliada com tapetes persas e quadros europeus; sempre sonhara em vida com todo aquele aparato. Só faltava um entrevista. Informou-se sobre o superintendente da empresa que iria lhe entrevistar naquela manhã; todas as informações faziam-no exultar; sentia uma alegria que há muito se ausentara; às dez em ponto, adentrou a sala de Mr. B. e cumprimentou-o com um tiro na testa; Mr. B. esparramou-se sobre o chão; seu sangue confundia-se com o escarlate dos tapetes... Jonas pegou da flanela e espanou a poeira da cadeira; sobre a mesa colocou o porta-retrato de Gracinha -- sua filha; pelo interfone, comunicou a secretária que não queria ser acordado por ninguém, nem por Sonia, aquela maldita... E a secretária lhe respondeu: - Sim, Sr. Superintendente!
# com pequenas alterações da primeira edição.
As bandeiras...bandeiras verdes; amarelas; azuis; brancas...Cores das matas; dos ouros; dos céus...da paz...Um milhão de pesoas; outros afirmavam: dois milhões; são emoções e mais emoções; são dez... vinte morumbis... Ronaldinho parte como um corisco; dribla um alemão; dribla um dinamarquês; dribla um americano; dribla um inglês... É gol... É gol... É gol... É gol do Brasil...! As bandeiras tremulam; os fogos espocam; há um só grito: vencemos!!! vencemos!!! vencemos!!! vencemos!!! Albertino tentou sorrir e gritar também, mas guardou como um avaro o canino desobturado e fendido pelo tempo; pendeu a cabeça, prendeu o maxilar e como um cão foi farejar as sórdidas latrinas do metrô; e dali partiu para a próxima estação: Paraíso...
Ele queria ficar rico. Tentou na loteca, mas não deu; tentou ser traficante em Engenho de Dentro, mas também lá não deu; tentou a sorte em todo lugar desse mundo. A única coisa que ele não queria era trabalhar. A mulher disse-lhe que ele tinha o dom para a coisa. Então começou a escrever qualquer bobagem. A sua mulher gananciosa que é, é que se empreita nas tratativas dos concursos e editoras. Um dia ele acerta a sorte grande, acredita. Espera em breve uma nova lavagem de dinheiro. Para isso lava as escadarias da Penha todo santo domingo. Se a lavagem for boa, talvez, ele acerte na sorte grande. A sorte, muitas vezes, ajuda, mas o bom mesmo é possuir uma gama seleta de amigos, preferencialmente, lógico, como seus mais fiéis julgadores.
Wednesday, November 08, 2006

02/11/2005
A visita de Rosa
Rosa vinha todo sábado, quando o sol ainda empunhava o seu gesto mais viril.Eu me perdia junto às formigas e taturanas...Rosa carregava consigo uma velha sombrinha...Descia a difícil ladeira...Descia...?E lá da esquina ia anunciando a nós a sua chegada...Antonio detinha o seu passo de marido sempre atrasado...No primeiro boteco parava e se perdia com a de limão...- Que a irmã mais velha lá embaixo esperasse...Na verdade, não tinham muitas afinidades...A irmã nascera em Córdoba, província distante da Vila Esperança...Rosa sempre quando chegava dizia:- Nossa, Mercedes, que belo afilhado é o meu...Eu me entretinha com a terra vermelha...Escaldava-me sob o sol esturricante...De repente uma chuva fina surpreendia-nos com a sua torrente...Em conchas, eu tentava retê-la em minhas frágeis mãos...Mãos flácidas e lânguidas...A chuva fina escorria por entre os meus dedos e os meus dedoschoravam de alegria...Os meninos brincavam de bate-lata...Mãe- da-rua...Passa-anel...Lembra-me que eu perdi um anel naquele dia...Minha mãe desesperada percebia que eu não havia nascidopara a hermenêutica...A primavera reluzia...As flores matizadas enfeitavam todos os meus dias...Vovó, solerte, acariciava-me com o seu olhar distante...Eu entendia a sua sagacidade....Dividir o seu amor com outros seis filhos...Os meninos brincavam de bate-lata...Passa-anel...Lembra-me que perdi um anel naquele dia...A primavera reluzia...As flores matizadas enfeitavam todos os meus dias...Uma chuva fina entre os meus dedos....Meus dedos choravam de alegria....Era sábado...E Rosa sempre vinha nos visitar...
No bistrô, os três escritores conversavam exaustivamente reluzindo em seus comentários as suas façanhas: 1) que, se não fosse tal e qual, seria o maior escritor do mundo; 2) que, se deixassem-no, o outro teria ganho o maior prêmio da literatura mundial; 3) o terceiro: (que se sentia próximo a Drummond, Machado e Guimarães -- mesmo que no seu imaginário)... Ao lado, na mesa ulterior, sozinho, o quarto desejava saber o que de fato errado deu com Dante, Shakespeare, Goethe e aquele tal de Machado...
Escanhoava o sotolábio e concomitantemente admirava-se no pequeno espelho quebrado. Queria estar bem arrumado. Ignorando os veículos que passavam a duzentos por hora, estava absorto em si mesmo, como se fosse um narciso. Fixava os olhos no espelho alternadamente. Ora o esquerdo ora o direito. As remelas ainda habitavam as suas pálpebras, denunciando que o sono ainda não se ausentara de todo. Estava ainda um pouco sonolento. Mirando-se no espelho, tentava recordar o sonho que tivera há pouco. Sentia os reflexos daquela imagem onírica que lhe fizera tão bem. Ajeitava o cabelo com as mãos, mas o carapinha não lhe obedecia. Mas não ligou... Continuou escanhoando o sotolábio. Divertia-se com a alternância de seu olhar no espelho. Os motoristas que passavam achavam-no exótico... Muitos tiravam as suas conclusões... De costas para o mundo, ele tentava recordar o nome da rainha, que era a sua esposa no sonho. O mundo tirava as suas conclusões, enquanto ele ainda escanhoava o sotolábio e aguardava a primeira esmola do dia.
# com pequenas alterações
11/12/2008
O ALPINISTA
Escalou o íngreme
do nada
Carregou a pedra
até o topo
onde jaziam os alísios
Com asas de cera
invocou os subúrbios
dos abismos-vácuos
E mergulhou na escuridão abissal do desconhecido
Sem espadas
azagaias
ou alforje jamais esmoreceu
Pensou também em Gaia
onde perdeu inúmeras batalhas.
13/12/2008
OS FILHOS ÓRFÃOS DO TRABALHADOR
Ficou sabendo pelos jornais
que a cada filho tido
teria um ano
de emprego garantido.
Foi então que teve
a grandiosa idéia:
PROCURO FILHOS
[GERADOS]
POR MIM.

Thursday, October 12, 2006

A CASA SOTERRADA

Ainda posso vê-los daqui...ainda vejo uma penumbra fina...quiçá duas...três...quatro...cinco...
ainda posso vê-los daqui...francisco dá ordens a mercedes....mercedes retruca e não se faz solícita...pega do qüarador e distrai-se com uma dança flamenca...
ainda posso vê-los daqui...o garoto...um serelepe...assim lhe chama o seu avô...esguicha água matizada com limão de cheiro...o avô lhe punge com vergalhões de maldade...pirracento...agourento...pachola...vagabaundo...estúrdio...anacoreta de uma figa...basbaque...penduricalho de trem...
ainda posso vê-los daqui...o radinho colado ao ouvido...corinthians 2 x 0 palmeiras ...
- essa está no bolso...vê se não fica passando com esses pés sujos sobre o tapete...só eu trabalho nessa casa...oh, que vida que eu levo...por que já não dá logo o endereço lá de cima...?esse só vive no bar...ah! bebeu novamente...?juro...juro...esse neto não é meu...precisa ter pedigree...progênie...etnia...oh...eu passei a roupa agora...oh, santo antonio...me livra...me livra...oh, meu santo antonio...vem...vamos jogar tômbola...é fim de ano...chama o toninho e a judite...vamos bater lata...armando...acenda a fogueira...seu avô trouxe pinhão lá da light...vê se não vai beber de novo...vem vamos bater lata...
sobre a televisão a foto de minha avó e a equipe campeã doprimeiro turno de 1969...
no guarda-comida as fotos de avós, tios, primos...
- olha, mãe...quem é esse de blusa vermelha...?nossa, como eu estou ridícula...nesse dia eu toquei castanhola...deixa eu ver essa aqui...pára, menino...
tio, faz cortante para mim...
tá na hora de trabalhar, menino...eu com treze anos já trabalhava...vai querer ser o quê na vida...?pensa que vai viver de bilhar como aquele seu tio...?
o rádio está ligado...o locutor não se cansa de irradiar...a máquina de lavar ainda está travada....
já é domingo...ninguém vem visitar...
a pereira intenta uma flor...as corruíras assoviam um assovio desafinado...a jabuticaba impõe o seu olhar de coruja...amoras fendem seus lábios encarnados...esboçam um sorriso...
agora já é quarta-feira de novo...as cadeiras perfiladas na cozinha...a anciã está ausente...os ponteiros do relógio caminham resolutos...dependurado na parede o quadro com a família...o patriarca segura uma taça de champanha...o cheiro de mofo exala pela cozinha...uma traça risca uma foto de ponta a ponta...
já é domingo de novo...ninguém vem visitar...
a pereira intenta uma flor...as corruíras assoviam um assovio desafinado...a jabuticaba impõe o seu olhar de coruja...amoras fendem o seu sorriso...uma linfa vermelha, um aljôfar de lágrima, escorre sobre a casa...
ninguém mais vem visitar...
a casa está soterrada....
mas ainda posso vê-los daqui...sp.07.12.2001

sábado, 27 de dezembro de 2008

PERFIL

Aqui, pretendo fazer o mel do pior do que escrevo já no outro blog. Sim! Eu sou um mutante! Preciso de mudanças constantes! Não gosto da monotonia! Gosto da surpresa! Eu tentarei fazer aqui nesse blog uma seleção daquilo que já escrevo no outro que chama O SIMULACRO DO FUTURO. Para quem já me conhece, seria em vão seguir essas minhas pegadas. Porque vai se entediar como eu me entedio! Mas quem quiser arriscar: a sorte está lançada! Tudo o que digo nesse blog é verdade -- mas tudo parece mentira! Um sonho de verão! Vocês verão!

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Quem sou eu

Nascido na cidade de São Paulo em 15 de fevereiro de 1960. Formado em Jornalismo (UMC/1983). Professor titular do ensino médio da disciplina de filosofia. Pós-Graduado, em nível de Especialização, em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pelo Instituto de Psicologia (USP /2001). Entre os anos de 1999 a 2005, fez extensão universitária dos instrumentais de grego, latim e alemão, cursando também mestrado (sem concluir) em educação e filosofia. Autor de dois livros na literatura, do Ensaio Paradoxo do Zero (Fundação Biblioteca Nacional/2003) e do conceito filosófico O Princípio da Identidade Negativa. É verbete nos livros O Céu Aberto na Terra, Sobre Caminhantes, A vocação Nacional da UBE: 62 ANOS, Revista de arte e literatura Coyote.